domingo, 24 de julho de 2011

Curtas: A guarda real


O que será que pensam os guardas reais que ficam em frente aos palácios parados, em uma posição de estátua e que são vitrines para turistas? Quantas pessoas não ficam fazendo macaquices para ver se eles saem de seus "estatuísmos"? Antes de ontem eu fiquei na estrada por quase 3 horas para chegar ao meu destino. Durante essas horas, como eu havia acabado de sair da clínica e várias histórias de vida me foram contadas e  estava fazendo uma tarefa mecânica de dirigir, a todo o momento na minha cabeça vinham recortes daquelas histórias, imagens diversas e associações.  Fiquei por esse tempo "trabalhando" de maneira "desorganizada" tudo o que surgia, chegando muito cansada ao meu destino, com a mente exausta, porque muita coisa havia passado pela minha cabeça. Eu ficava com todos aqueles pensamentos em suspendo, não os expunha a ninguém, não concluía nada, era um turbilhão. Adorei quando cheguei e pude conversar assuntos diversos, trocar experiências, contar como foi a semana, discutir pontos de vista, rir, e aí sim, relaxei. Aquele turbilhão de alguma forma se organizou, se acomodou em algum lugar da minha mente e eu pude acalmar meu pensamentos.
Quando não há rota de saída, não há canalização e unificação dos pensamentos através, da interação com o outro, normalmente nossos pensamentos vão tomando vias caóticas e o indivíduo fica esgotado. No dia seguinte, com minhas filhas, vendo um desenho, apareceu um personagem tirando uma foto de um guarda inglês que fica tomando conta do palácio. O guarda manteve-se firme, congelado, enquanto seu amigo tirava uma foto sua, e somente um leve piscar de olho mostrou que eram amigos, um discreto gesto afetivo. Na hora eu comecei a pensar. O que será que acontecia com esses guardas reais na realidade de seus pensamentos. Lembrei-me de minha experiência do dia anterior, em que  eu estava em uma situação de rotina mecânica, dirigindo em uma estrada, e meus pensamentos tiveram liberdade de expandir e irem nas rotas que queriam, e eu pouco podia fazer para mudá-los de rumo porque não havia um outro com o qual eu pudesse interagir. Não necessariamente falar sobre esses pensamentos, mas manter um diálogo com o outra de forma que é necessário haver uma organização dos pensamentos. Lembrei que eu já tinha me manifestado sobre o dia a dia dos trabalhadores do Poupa Tempo, o quando era tedioso todos os dias fazer a mesma coisa, e vendo esse desenho, esse personagem que era um guarda real no Castelo de Bankigham, pensei: "o que será que acontece com os pensamentos deles"? Será que com algum tipo de treinamento eles têm como  ignorar o que lhes vem a cabeça? Não podem responder perguntas de turistas perdidos, ou qualquer outra coisa a não ser ficar em posição congelada e só fazer o movimento cadenciado quando pertinente. É um "boneco"? Mas ao mesmo tempo que é assim, existe todo um sentido muito antigo para ele ser assim. Será que esse sentido preenche o dia a dia dele como um ser social e coletivo. À noite conversei com meu pai sobre essas minhas reflexões e ele disse que provavelmente o que eles pensam é: "que horas são? "quanto falta"? "estou com vontade de ir ao banheiro"? Meu pai encenou coisas tão banais, mas pareciam muito pertinentes. Como será que um guarda real desses consegue ficar em sua posição congelada se no dia anterior passou por alguma situação extrema, do tipo, a mulher pediu divórcio, um filho contou que a namorada estava grávida, descobriu que a mulher tem um amante, descobriu que sua filha de 14 anos não é mais virgem, será que ele de alguma forma consegue cortar o fio de seus pensamentos e ficar lá, congelado, como se não sentisse nada. Ou será que seus pensamentos tomam proporção inimagináveis e o que vemos é alguém simplesmente impecável que está fazendo um esforço descomunal para manter-se neutro. Fiquei muito curiosa para conhecer mais sobre o que sentem essas pessoas, guardas reais, impecáveis e aparentemente inatingíveis.

sábado, 23 de julho de 2011

A infantilização da sociedade atual


Recentemente um amigo que trabalha em uma clínica que cuida de dependentes químicos disse estar impressionado com pobreza da vida emocional de tudo que tem cercando a vida dessas pessoas que estão em recuperação. Grande parte dessa população é jovem, em uma faixa de 18 a 35 anos. Esse meu amigo disse que em sua época de juventude ele e seus amigos fizeram muita "farra". Mas colocou que ele e os amigos debatiam, iam para a praia para curtir, viviam algo. O que tinham em comum era que conversavam, se divertiam, iam a shows, realizavam debates, expandiam suas mentes para algo além do prazer instantâneo, do prazer só consigo mesmo. Tinham também prazer na companhia do outro. E é ver o outro, perceber o outro, interagir com o outro, que é incomum nos dias de hoje. Atualmente viver em coletividade é coisa do passado. O moderno é não ver o outro só a si mesmo. Só se interessar pela satisfação dos próprios prazeres. Recentemente li uma crônica do Arnaldo Jabor que refletia sobre sobre a busca por felicidade no  homem moderno, em como é a busca por esse ideal. Ele colocou que em sua época de juventude o ideal de homem era ser como o James Bond que pegava todas as mulheres, lindas, espiãs, um homem charmoso, com um tremendo poder de sedução, mas que tinha um trabalho. Arnaldo Jabor frisa que hoje o homem moderno busca constante a satisfação imediata de seu prazer pessoal e que seu trabalho se resume a isso. Satisfazer-se e que não tem nenhum compromisso com o futuro ou com alguém. A sociedade de hoje tem caminhado cada vez mais por essa rota. Hoje os jovens desde muito cedo "aprendem" que devem ir para as baladas e beijar a maior quantidade de homens ou mulheres pois é a imagem de um ser (tanto o verbo como o sustantivos) interessante. Ser beijador é ter poder e status. Qual o sentido emocional de si com o outro em beijar na mesma noite três pessoas diferentes. Busca-se só o beijar pelo beijar e não que o beijar antecede o possível início de uma relação, seja ela qual for. O importante é beijar e dizer que beijou e não que encontrou alguém interessante com a qual sentiu certa afinidade. O outro inexiste nesse movimento do beijar pelo beijar. Então o encontro com o outro não é também para saber o que ele pensa, se tem haver com o que você pensa, se ele tem algo para te oferecer ou mesmo você a ele. Esse "encontro" com o outro nada tem haver com o outro só consigo mesmo. É para satisfazer o prazer sexual do beijar e o prazer do status em dizer que beijou. A criança por volta dos dois a três anos que é assim. Está começando a ter autonomia em relação a si mesma, já anda, fala e tem o controle dos esfincters e por isso acredita que já tem certa potência para alcançar o que deseja. Inclusive é por volta dessa idade que ela começa a se diferenciar dos outros, quando começa a perceber que tem uma identidade separada dos outros que estão a sua volta. E para acontecer amadurecimento afetivo a criança precisa experenciar a satisfação precisa quando dá e não exatamente no minuto seguinte ao desejo. A frustração, a não satisfação das necessidades imediatamente,  sua preparação como um ser coletivo, com papéis naquele seu bando, naquela sua coletividade são importantes de serem vivenciados. É assim que vamos nos tornando adultos amadurecidos, assumindo responsabilidades, cuidando de nós e do outro. Quando não amadurecemos, não aprendemos a esperar, projetar futuro, traçar objetivos de longo prazo, nos mantemos aprisionados em uma fase infantil. Satisfação imediata dos prazeres. Isso deveria ser consequência do amadurecimento e não objetivo de vida. Usei como exemplo a área sexual, mas as outras áreas do indivíduo também têm sido regidas pelo princípio do prazer imediato. Profissionalmente, precisa-se rapidamente alcançar altos cargos e elevados salários, só assim sente-se prazer no sucesso profissional. Na área familiar há uma intensificação dos discursos de liberdade de pensamentos, mas essa liberdade é cercada só pelo eu, e não também pela liberdade do outro.  E assim sucessivamente em todas as relações.  Não dá para dizer se é por causa da tecnologia, se é em função da revolução industrial ou se esse movimento se iniciou no mito da caverna de Platão. O que dá para afirmar é:  estamos na ERA do EU. . . . . . . infantil.

domingo, 17 de julho de 2011

Medicina hiper diagnóstica laboratorial

A medicina de hoje está muito avançada para diagnosticar e o conhecimento da existência de uma série de doenças, raras ou não, está cada vez mais presentes. E esse conhecimento, essa descoberta dessas doenças desencadeia o desenvolvimento de testes laboratorias específicos para confirmar as suspeitas. Afinal, o médico cria hipóteses de possibilidades ao examinar clinicamente um paciente, ao ouvir seu histórico e a descrição e seus sintomas e existem determinados casos que é necessário um exame laboratorial para confirmar ou descartar hipóteses levantadas. Mas também há casos que só o histórico clínico já indica a doença.  Mas uma coisa é sempre igual, o exame clínico realizado pelo médico é imprescindível para gerar hipóteses e os laboratorias para confirmá-las ou não. Hoje, esse panorama que eu apresentei . . . .  só no mundo da imaginação. Vou ilustrar minha reflexão com um caso específico em que a intensificação do diagnóstico laboratorial pode trazer muito prejuízo na vida das pessoas. Há pouco mais de um mês nasceu uma sobrinha minha, filha da irmã de meu marido e uma alegria na família, uma vivência única e agradável que sempre acontece quando há um bebezinho. E nesse caso específico foi o primeiro filho de um casal que teve muita dificuldade para a concepção. Tudo estava muito bem quando, após uns 20 dias do nascimento, o médico liga dizendo ser necessário fazer outro exame do pezinho porque deu alteração em uma proteína que pode indicar fibrose cística. É uma doença crônica e fatal, a expectativa de vida do indivíduo por maior que seja é de 30 anos. Foi um pânico, minha cunhada e meu cunhado foram do céu ao inferno em questão de segundos. Para resumir a segunda prova deu negativa, ela está ótima, mas depois eu soube detalhes sobre esse teste, o porque da investigação e fiquei indignada com a irresponsabilidade dos médicos em pedir tal teste aos recém nascidos. O bebezinho nasce com uma proteína sensível para essa doença e se essa proteína estiver em níveis elevados pode indicar probalidade da criança ter essa doença. E que com o passar dos dias, o nível dessa proteína vai baixando para aqueles que não têm a doença, portanto é muito comum bebês recém nascidos saudáveis terem em seus primeiros dias de vida essa proteína aumentada. Além disso existem sintomas clínicos claros desde os primeiros dias do bebê que podem indicar a existência dessa doença: o mecônio demora para descer, não pega peso, não evacua normalmente, essa proteína interfere na digestão e na absorção dos nutrientes. É um caso muito diferente de outra patologia que é detectada pelo teste do pezinho, o hipotireodismo congênito que se detectado cedo as intervenções podem impedir que haja comprometimento no desenvolvimento neurológico da criança. No caso da fibrose cística muito pouco pode ser feito logo que o bebê nasce para impedir prejuízos maiores. Minha cunhada também contou outro caso de uma vizinha dela, também com um bebê recém-nascido cuja primeira e segunda prova do teste do pezinho deram positivo para a doença e que o próximo passo era fazer o teste do suor no H.C. Essa mãe contou para minha cunhada que quando chegou no H.C. existiam muitas mães na mesma situação que ela. No caso deles o sofrimento foi de quase dois meses, pois além da segunda prova o teste do suor demora 45 dias para ficar pronto e deu negativo. Qual será que foi o dano psicológico e emocional para esses pais e esse bebezinho, e para os outros milhares que sofreram na mesma situação até descobrir que seu bebezinho goza de ótima saúde? Tem algum teste laboratorial para comprovar? Qual o custo benefício de se fazer o teste nos recém nascidos se essa proteína é tão sensível de ser detectada? É como no hipotireodismo congênito que internvenções emergentes podem fazer toda a diferença? Será que a medicina laboratorial  acredita que há sofrimento para os pais, que a produção do leite materno pode ser afetado, que a ansiedade de saber se seu filho tem ou não uma sentença de morte pode afetar periodicamente o desenvolvimento da criança e a relação deles. Onde está a medicina clínica? Será que ao invés de desenvolver o teste laboratorial para fibrose císitca e torná-lo rotina os médicos pediatras não deveriam ser treinados a conhecer mais sobre a doença e seus sintomas para que, se perceberem tais sintomas na criança, aí sim pedir exames para confirmar ou descartar o diagnóstico. Nesse caso específico da fibrose cística (caso que conheci recentemente) a medicina do diagnóstico laboratorial tem condenado pais e bebezinhos ao inferno, por muitos dias, sem serem "pecadores". Um crime. Acho que a medicina avançou muito em tecnologia,  mas a formação clínica dos médicos está cada vez mais pobre. Eles têm dificuldade em acreditar nos sinais clínicos que enxergaram, precisam das provas laboratoriais. Os médicos estão tornando-se "covardes", estão perdendo a capacidade de acreditarem em si mesmos, pois a medicina do diagnóstico laboratorial está encapsulando a clínica. Tem também uma parcela de médicos que acha mais fácil ser um leitor de resultados de exames porque não precisa se responsabilizar por ter investigado mal, por não ter dado atenção a determinados sintomas. São os do tipo "corpo fora". Tenho também um exemplo ótimo para os do tipo do "corpo fora". Uma vez meu marido ficou com uma febre de uns 38 graus, que pouco abaixava e uma dor de cabeça fortíssima. No terceiro dia surgiram umas manchas vermelhas no seu braço. Fomos ao médico do P.S que mal o examinou e pediu um exame de licor para descartar meningite, além do hemograma. Questionamos se não poderiam ser antes descartadas outras coisas e o médico disse: "vou então pedir a opinião de um colega." A porta estava aberta e um outro médico passou e ele chamou. O outro médico ficou na porta mesmo e o que nos atendia disse: "dor de cabeça, febre, manchas no corpo, peço licor (sic)", e outro disse: "Oh". Foram as três horas mais longas, tínhamos filhas pequenas, a irmã dele com um problema de saúde, etc..... ficamos no isolamento. O enfermeiro que foi nos atender quando soube do possível diagnóstico saiu fora na hora para verificar uma "coisa". Meu marido fez o exame, bem invasivo, depois de feito a pessoa precisa ficar 24 deitada e só levantar para o essencial. O plantão trocou e o médico que veio nos dar a boa notícia, questionou de maneira sutil porque foi feito o licor e disse que o hemograma estava típico de uma virose. Dissemos que as manchas vermelhas no corpo era o que havia de estranho. Esse outro médico apertou uma delas, que ficou amarela. Ele disse: "são manchas alérgicas, manchas de meningite se apertadas continuam vermelhas, pois são pequenos derrames de sangue". Lógico que fiz uma e-mail enorme para o hospital que dias depois me ligou dizendo que em função da minha reclamação alguns procedimentos no hospital foram alterados. O atendente do hospital, que me ligou, se esquivava de toda e qualquer pergunta que eu fazia para me aprofundar no caso. Ficou claro para mim que se o hospital assumisse que o médico realmente errou feio ao pedir o exame poderíamos entrar com um processo. Além do nervoso, do procedimento invasivo, temos que pagar mais pelos nossos convênios médicos, pois quanto mais os procedimentos são feitos mais os convênios aumentam suas mensalidades. Além de tudo somos invadidos em nosso bolso pelos médicos do "corpo fora". Depois de tudo isso eu pergunto: onde estão os médicos clínicos, para mim uma raça em extinção. Tem um livro ótimo chamado "A cidadela"de A. J. Cronin, que mostra o trabalho de um médico em uma mina de mineração e várias conclusões sobre alguns dos males provocados por esse trabalho. As conclusões a que ele chegou foram através de sua observação do dia a dia do trabalho e dos sintomas que os trabalhadores apresentavam. Tem também uma história de romance e algumas crises existenciais, mas mostra também o trabalho de um médico clínico.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Marginalidade

Sempre ouço rádio de notícias no caminho ao trabalho. Hoje não foi diferente. Teve o relato de um ouvinte que chamou minha atenção. Não só pelo fato em si, mas também pelo que comecei a pensar. O ouvinte, em seu relato, disse ter sido assaltado por três adolescentes em um farol que portavam revólveres. Após o assalto foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência e o delegado disse saber quem eram. Pegou uma foto que foi tirada por câmeras de trânsito e, para espanto do assaltado, reconheceu os três no momento em que viu a foto. O delegado mencionou conhecê-los há muito tempo, tinham em torno de 12 e 13 anos e  por serem menores não havia o que ser feito. O assaltado também relatou que nas duas horas em que ficou na delegacia chegaram mais pessoas que vitimas de assalto, na mesma condição que ele e pelos mesmos infratores.
Fiquei muito triste ao ouvir esse relato. Não só pelo medo da violência. Imaginei como esses meninos viverão muito pouco, se é que já não estão mortos. Em breve vão perder suas vidas e provavelmente também tirar a vida de outras pessoas, se é que já não tiraram. Esses meninos, como outros em condições similares, são negligenciados (não só por familiares, mas pela sociedade em geral). Não demonstram sentir medo. Não mostram possuir qualquer freio social. A lei moral para eles nada representa.
Essas leis não se constituíram, não se estabeleceram só para repreender, para tornar as pessoas engessadas ou submissas. Elas existem também para as bases de sustentação de qualquer ordem social e do constructo do indivíduo.
Não é só a espécie humana que têm essa organização. Os chimpanzés possuem normas de conduta, estrutura hierárquica social, assim como outros primatas superiores. Existe um sentido muito vivo nessa ordem.
Uma dessas leis que rege nossa sociedade é a preservação da vida, tanto a sua como a do outro. Se a maneira de reprimir a vontade de matar outro ser humano é através de religião, leis jurídicas, mandingas, ardência no fogo do inferno, pouco importa. O principal é uma existir uma "barreira", uma norma e uma conduta naquela sociedade. Se não for seguida a consequência acontecerá, seja ela qual for.
Além de manter a ordem essa norma contribui para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Para segui-la a pessoa precisa desenvolver mecanismos internos para conter uma ação decorrente de uma emoção instantânea. Por exemplo: uma criança pequena, uns 7 ou 8 anos, reclama que não quer ir à escola, que aprender é chato, e os pais resolvem "respeitar" o desejo de seu filho e o liberaram de ir à escola.  Nessa idade a criança não tem condições de fazer escolhas dessa natureza, que envolvem sua pertinência social e seu desenvolvimento individual. Essa criança não sabe projetar futuro, não tem vivência e nem maturidade emocional para fazer uma escolha que está diretamente ligada a sua sobrevivência física e emocional.
Toda pessoa, ao longo de seu desenvolvimento infantil, precisa de uma contenção externa, precisa de um condutor. Não conseguimos desenvolver contenção interna se no externo não tiver nada que me dê base.
Então, esses meninos, simplesmente não tiveram ninguém que fizesse esse papel de contenção externa, conheceram a marginalidade muito cedo e nela ficaram. Sentem-se potentes portando armas, e são mesmo, podem matar alguém. Mas, e se tirarmos isso deles, o que será que sobra? Essas crianças não desenvolveram mecanismos de defesa e pertencimento mais elaborados. Se desenvolveram de uma única maneira. Atacam para obter o que querem no momento em que querem. Não existe o outro, talvez até por eles não existirem para ninguém. Não precisam, elas têm armas e muito cedo se envolvem em situações de risco tanto para si como para o outro. Isso é muito triste. Nesses casos a gente nunca sabe onde começa uma coisa e termina outra. O quanto tem do social, do familiar. Senti certa tristeza por esses meninos, e pelas vidas que tiraram ou tirarão. Só mortes, eles mortos como pessoas, e em breve seus corpos também.
Já fui assaltada a mão armada em outra ocasião, foi assustador. Não quero passar por isso de novo. Mesmo assim, eu continuo me perguntando: será que esses meninos tiveram alguma chance de ser diferentes ou será que já nasceram pré-destinados pela combinação de fatores sócio, econômicos e familiares?

domingo, 10 de julho de 2011

Mãe continente


Quando estava na faculdade tive aulas sobre a psicologia da gestação. Estava no primeiro ano, logo no começo do semestre, muita coisa era nova para mim, então eu mais absorvia do que refletia. Lembro-me bem de algo que me chamou muito a atenção, mais pela palavra em si e pelos significados que poderiam existir do que pelo fato em si. O conhecimento que me foi transmitido é que via de regra a mulher que engravida sabe disso inconscientemente e é comum sonhar com objetos continentes, bolsas, casas, caixas, etc.... Não vou afirmar ou contradizer, não é esse o meu objetivo. O que quero é chamar a atenção para a palavra: continente. Essa palavra, o que ela poderia significar ficou anos ecoando no meu universo reflexivo e só há pouco tempo pude compreender o que para mim tanto chamou a atenção. Lembro que eu ficava repetindo: "objetos continentes, que contém, a gestante tem dentro de si um ser em desenvolvimento e ela simboliza isso através de objetos continentes". . . . só que sempre parecia que faltava algo. Sempre me perguntava: "esses objetos podem conter coisas, mas quais são essas coisas que eles podem conter? Se formos pensar em uma bolsa de mulher, muita coisa dá para caber, dependendo do tamanho e da vida que esta mulher leva. Lembro-me que quando engravidei prestei atenção a meus sonhos, e não foram com objetos continentes e sim com muita água. Sonhei com abundância de água. E lógico, fiquei com mais pontos de interrogação. E além de ficar sempre pensando o que poderia conter nesses objetos também lembrava dos continentes que aprendi em geografia. Uma porção muito grande de terra cercada de água por seus lados. Abre parênteses: Até hoje não vejo onde Europa e Ásia são separados, mas isso é outra história - fecha parênteses. Minhas filhas nasceram, tão diferentes, duas, eu não sabia se conseguiria ser uma mãe suficientemente boa. Lembro bem da amamentação. Gostava de amamentar cada uma de uma vez. Era mais trabalhoso, demandava mais tempo, eu descansava menos, mas me sentia melhor. Gostava de ficar olhando. Lembro-me de muitas coisas, mas particularmente de Estrela, que sempre foi muito voraz e via o movimento na garganta, eu achava tão interessante. Sentia-me bem em observar. Só que tal momento costumava ser interrompido porque a irmã da que estava no peito tinha acordado e reclamava também sua porção de leite. E eu, ficava angustiada. Torcia para que, quem estivesse no peito logo se saciasse, para que eu pudesse atender as necessidades da outra. Dar os peitos simultaneamente seria um solução para a angústia, mas mesmo sabendo disso eu mantinha a rotina de uma por vez. Tentava administrar. Só, em raras ocasiões, dei os peitos simultâneamente, não gostava. Eu vaca leiteira, elas bezerrinhas. Se alguma perdesse o bico eu tinha que chamar alguém para ajudá-la. "Ei, fulano, ajuda aqui, fulana perdeu o bico. . . isso .  . . ajeitou . . . obrigada". "Ei fulano, ajuda aqui, fulana já acabou, pega e faz arrotar enquanto termino aqui." Linha de produção era a sensação que eu tinha, definitivamente não gostava. Eu não conseguia explicar ou mesmo entender os motivos de tanta resistência. Hoje, depois de muitos anos, de muitas coisas, compreendi. O bebezinho veio ao mundo, saiu de um lugar que parecia só dele, quase sempre com a mesma temperatura, com os mesmos barulhos, com sua comida disponível no horário que quisesse, para um lugar diferente. O bebezinho, logo que nasce, precisa sentir segurança, conforto, calor. Precisa ficar em uma relação parcialmente simbiótica, com momentos simbióticos, cujo sentido só é compreendido pelo bebezinho e sua mãe ou cuidador. Então o dar de mamar ou mesmo a mamadeira, o cuidar do bebê, trocar sua fralda, dar um banho é uma experiência única que acontece entre o bebezinho e seu cuidador.  É como se naquele momento nada mais houvesse e o continente é formado apenas pelo cuidador e o bebê. Ser continente é aquele que separou dentro de si um espaço de bom tamanho para caber aquele outro (podemos estender para nossas relações com marido, irmãos e amigos). É abrir espaço, um lugar para o outro dentro do espaço que já construímos para nós mesmos. Por isso que, por vezes, mesmo angustiada que minha outra filha poderia acordar com fome e eu não a atenderia prontamente, eu me sentia bem, estava sendo continente com uma e depois seria com a outra. Cada uma tinha o seu espaço nessa relação.