domingo, 10 de julho de 2011

Mãe continente


Quando estava na faculdade tive aulas sobre a psicologia da gestação. Estava no primeiro ano, logo no começo do semestre, muita coisa era nova para mim, então eu mais absorvia do que refletia. Lembro-me bem de algo que me chamou muito a atenção, mais pela palavra em si e pelos significados que poderiam existir do que pelo fato em si. O conhecimento que me foi transmitido é que via de regra a mulher que engravida sabe disso inconscientemente e é comum sonhar com objetos continentes, bolsas, casas, caixas, etc.... Não vou afirmar ou contradizer, não é esse o meu objetivo. O que quero é chamar a atenção para a palavra: continente. Essa palavra, o que ela poderia significar ficou anos ecoando no meu universo reflexivo e só há pouco tempo pude compreender o que para mim tanto chamou a atenção. Lembro que eu ficava repetindo: "objetos continentes, que contém, a gestante tem dentro de si um ser em desenvolvimento e ela simboliza isso através de objetos continentes". . . . só que sempre parecia que faltava algo. Sempre me perguntava: "esses objetos podem conter coisas, mas quais são essas coisas que eles podem conter? Se formos pensar em uma bolsa de mulher, muita coisa dá para caber, dependendo do tamanho e da vida que esta mulher leva. Lembro-me que quando engravidei prestei atenção a meus sonhos, e não foram com objetos continentes e sim com muita água. Sonhei com abundância de água. E lógico, fiquei com mais pontos de interrogação. E além de ficar sempre pensando o que poderia conter nesses objetos também lembrava dos continentes que aprendi em geografia. Uma porção muito grande de terra cercada de água por seus lados. Abre parênteses: Até hoje não vejo onde Europa e Ásia são separados, mas isso é outra história - fecha parênteses. Minhas filhas nasceram, tão diferentes, duas, eu não sabia se conseguiria ser uma mãe suficientemente boa. Lembro bem da amamentação. Gostava de amamentar cada uma de uma vez. Era mais trabalhoso, demandava mais tempo, eu descansava menos, mas me sentia melhor. Gostava de ficar olhando. Lembro-me de muitas coisas, mas particularmente de Estrela, que sempre foi muito voraz e via o movimento na garganta, eu achava tão interessante. Sentia-me bem em observar. Só que tal momento costumava ser interrompido porque a irmã da que estava no peito tinha acordado e reclamava também sua porção de leite. E eu, ficava angustiada. Torcia para que, quem estivesse no peito logo se saciasse, para que eu pudesse atender as necessidades da outra. Dar os peitos simultaneamente seria um solução para a angústia, mas mesmo sabendo disso eu mantinha a rotina de uma por vez. Tentava administrar. Só, em raras ocasiões, dei os peitos simultâneamente, não gostava. Eu vaca leiteira, elas bezerrinhas. Se alguma perdesse o bico eu tinha que chamar alguém para ajudá-la. "Ei, fulano, ajuda aqui, fulana perdeu o bico. . . isso .  . . ajeitou . . . obrigada". "Ei fulano, ajuda aqui, fulana já acabou, pega e faz arrotar enquanto termino aqui." Linha de produção era a sensação que eu tinha, definitivamente não gostava. Eu não conseguia explicar ou mesmo entender os motivos de tanta resistência. Hoje, depois de muitos anos, de muitas coisas, compreendi. O bebezinho veio ao mundo, saiu de um lugar que parecia só dele, quase sempre com a mesma temperatura, com os mesmos barulhos, com sua comida disponível no horário que quisesse, para um lugar diferente. O bebezinho, logo que nasce, precisa sentir segurança, conforto, calor. Precisa ficar em uma relação parcialmente simbiótica, com momentos simbióticos, cujo sentido só é compreendido pelo bebezinho e sua mãe ou cuidador. Então o dar de mamar ou mesmo a mamadeira, o cuidar do bebê, trocar sua fralda, dar um banho é uma experiência única que acontece entre o bebezinho e seu cuidador.  É como se naquele momento nada mais houvesse e o continente é formado apenas pelo cuidador e o bebê. Ser continente é aquele que separou dentro de si um espaço de bom tamanho para caber aquele outro (podemos estender para nossas relações com marido, irmãos e amigos). É abrir espaço, um lugar para o outro dentro do espaço que já construímos para nós mesmos. Por isso que, por vezes, mesmo angustiada que minha outra filha poderia acordar com fome e eu não a atenderia prontamente, eu me sentia bem, estava sendo continente com uma e depois seria com a outra. Cada uma tinha o seu espaço nessa relação.

3 comentários:

  1. Muito interessante... Eu penso por que nós, mulheres, somos mais continente do que os homens? Por que podemos ser mães? Parece que nosso mundo gira ao redor deles, fazemos tudo para agradá-los, cedemos às suas vontades mas, do outro lado, do lado dos homens, vejo que eles fazem as coisas para eles mesmos e ainda acham que estão ajudando os outros. Por quê?

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  2. É Lorena, nós mulheres somos bem mais continentes que o homem. E acho que eles só tem a perder com isso. Vivenciamos experiências que acrescentam muito em nossa vida e que só podem ser vividas quando se está continente.

    Abraços,
    Patrícia

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