quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Nem tudo está perdido: "Revista de Errologia"

Hoje li uma matéria, no caderno de ciências da folha que me deixou bem contente. "Hipóteses perdidas, experimentos que falharam e resultados que não foram encontrados em pesquisas científicas agora terão um lugar ao sol. Ou pelo menos um lugar para serem publicados. Um novo periódico científico, batizado de "Journal of Errorology" ("Revista de Errologia"), surgiu para contar a história de trabalhos que não seguiram o rumo esperado". É uma quebra de paradigma na onipotência científica, é fantástico. No paradigma científico atual são valorizados os experimentos que "deram certo", cujos resultados são tidos pela classe científica como positivos. Esse dar certo é: a hipótese inicial do pesquisador se confirmou, portanto contribuiu para o "progresso" da ciência. E nesse dar certo muitas vezes tem cabido alguns arranjos nos dados ou supressão de outros para que a hipótese inicial se confirme. Não é adulteração de dados, é mais uma acomodação direcionada para a hipótese inicial. Isso gera muitas vezes outros experimentos, baseados nos resultados do anterior e a manutenção das "distorções". A produtividade "positiva" é o que é valorizada e não a pesquisa. Até ler essa matéria não tinha refletido sobre a importância dos experimentos que não "deram certo". Sem sombra de dúvida contribuem cientificamente. Mostram caminhos, lugares novos e seus resultados. São dados, são respostas, efetivamente uma contribuição. Outra informação que me deixou muito satisfeita é pelo fato da iniciativa ser de um brasileiro da UFRJ: "Conhecer um experimento que falhou ou teve um resultados inesperados pode ser muito interessante para os cientistas", explica o editor. Mas me pergunto: será que haverá aderência? Será que a classe científica irá conseguir desvestir-se de sua onipotência e vivenciar feridas narcísicas. Afinal, admitir e publicar pensamentos e hipóteses que não redundaram em explicações lógicas ou resultados aplicáveis é admitir globalmente que não se é um gênio, que se é falível, que não se sabe tudo. É admitir que é humano. Qual parcela dessa classe será a primeira a dar o passo nessa direção e assumir corajosamente sua posição de falível? Será que esses gladiadores  serão marginalizados?  A matéria ilustra um dos exemplos de experimentos que não "deram certo" com o caso do Viagra. Era um medicamento testado para doenças cardíacas que mostrou-se muito eficaz para disfunções eréteis. Duvido que alguém diga que foi um experimento que deu "errado", afinal existem milhares de homens que têm agradecido diariamente esse "erro". Os cientistas dessa pesquisa, com certeza, tanto no imaginário popular, como no imaginário científico são consagrados, são "salvadores". Casos como esse, como o da penicilina ou do Zyban, não produzem feridas narcísicas. Atirou-se em uma direção, errou-se o alvo, só que acertou-se em uma mina muito mais valiosa. Esse "errado" torna-se fantástico, é um errado que traz alívio. Não acredito que o foco dessa publicação deva ser a manutenção desse status quo, mas aproximar a ciência ao natural humano. Por incontáveis vezes somos provocados pela vida a levantar hipóteses e fazer escolhas baseadas nelas. Algumas vezes os resultados são satisfatórios e por outras  desastrosos. Aprendemos com eles. É isso que acontece, aprendemos e continuamos a levantar hipóteses e fazer escolhas. Com a ciência o processo é o mesmo. Então, mostrar  resultados, sejam eles quais forem, talvez produza muito mais aprendizado do que divulgar apenas os "positivos". Que seja muito bem vinda a "Revista de Errologia".

8 comentários:

  1. Eu não acredito que alguém vá publicar nessa revista. A menos que esse erro tenha gerado alguma coisa, como você citou os exemplos dos remédios. Se não for algo do que se orgulhar, melhor jogar para debaixo do tapete e esquecer. Assim é a academia.

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  2. Olá Cássio,

    Infelizmente concordo com seu comentário. Mas, quem sabe, a academia começa a mudar um pouco os seus conceitos.... a esperança é a última que morre.

    Abraços,
    Patrícia

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    1. Bom, eu já vi pessoas listarem errata como artigo publicado.

      Acho que dá para esperar de tudo mesmo.

      Parabéns pela reflexão, está muito boa.

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    2. Ola Patricia,

      Li sua reflexao e a considero muito boa. O novo periodico (que na verdade ao contrario do publicado se chama Journal of Errology) se propoe justamente a quebrar paradigmas. Tudo que voce diz e seus leitores comentaram eh verdade.

      A ciencia moderna tende a valorizar resultados positivos e fechados. O sistema de peer-review tende a apenas publicar o que for do interesse dos "grandes" de cada area. Porem isto se baseava em revistas fisicas antes do mundo globalizado e da era da internet.

      Hoje em dia, um cientista nao precisa de uma editora para ser lido pelos seus colegas. Tentaremos introduzir este conceito nosso canal de comunicacao novo, o JoE. Os artigos serao criticados abertamente num "eterno" peer-review por leitores. E novas versoes podem ser feitas como resposta. Estas sao as novidades que introduziremos que nao foram incluidas na materia.

      Outro aspecto que gostaria de acrescentar que nao saiu publicado: estamos especialmente interessados em artefatos experimentais inexplicados. Nao nos propomos a explica-los. Queremos incentivar que outros cientistas reproduzam os artefatos e possam chegar em novas conclusoes.

      Por favor, se houver interesse, leiam a outra materia publicada no exterior: http://retractionwatch.wordpress.com/2012/01/17/your-experiment-didnt-work-out-the-journal-of-errology-wants-to-hear-from-you/

      Muito obrigado pelas ideias e parabens pelo post!

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    3. Prezado Eduardo Fox,

      Sinto-me muito honrada pelo próprio editor da revista visitar meu cantinho de reflexões. É um lugar modesto para reflexões sobre acontecimentos do dia a dia.

      Gostei muito da iniciativa da revista e torço para que haja aderência da classe científica. Talvez no começo encontrem resistência. Faz parte, toda quebra de paradigmas, todo novo gera desconforto.

      Parabéns a todos que fazem parte do projeto por essa iniciativa. Ela é muito valiosa, e talvez muitos não se dêem conta do quanto.

      Abraços,
      Patrícia

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  3. Oi Patricia, obrigado pelos parabens e desculpe a falta de acentos, pois meu teclado eh "gringo", rsrs... A maior resistencia neste ponto eh de que os colegas abracem a ideia. Depois que alguns resolverem seguir, havera a resistencia dos que nao acreditam que o novo sistema va funcionar. Depois que mostrar que funciona havera a resistencia dos que se beneficiavam do sistema antigo, e por ai vai... mas tenho a certeza de que as coisas vao mudar, vamos experimentar. (Dara certo nosso experimento?)

    Dividindo com voce em seu espaco, eu acredito que a ciencia inteira eh como seu blog: um espaco aberto para refletir sobre acontecimentos do cotidiano (por que a agua escorre, o que fez este inseto, etc). Tento sempre evitar que o jargao, o intelectualismo e a politica burocratica desvirtuem a ciencia disto. Vou lutar para o JoE seguir neste rumo, para que qualquer leitor comente em cima dos achados e desachados do colega cientista, e que assim surjam novas descobertas que nao tem um "dono".

    Obrigado pelas palavras e interesse!

    Eduardo Fox

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  4. Patricia excelente sua reflexão.Concordo com você na falha dos experimentos que não deram certos e os cientistas deveriam sim ter um olhar mais cauteloso para esta questão


    Vagner Bertolini

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  5. Olá Vagner,

    Admitir que muitas vezes tomamos rotas ou caminhos que deram em outro destino que não o originalmente traçado não significa que erramos. Talvez ali haja uma oportunidade de novas coisas.... quem sabe? Fazer ciência talvez seja também aproveitar disso.

    Abraços,
    Patrícia

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