quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Curtas: Sinto uma "coisa"

Em diversas situações no dia a dia nos ouvimos dizendo: "sinto uma coisa", uma frase assim, bem pouco específica. Quando alguém pergunta: mas que "coisa" se responde: sei lá, um treco, um troço, aqui no peito, na barriga, uma sensação, uma "coisa". O dia acaba e na maioria das vezes não conseguimos denominar o que sentíamos, "apenas" uma "coisa", uma sensação muito real, mas uma "coisa". As palavras para descrevê-las não são encontradas, são sensações, não parece caber palavras. Essa "coisa" me faz lembrar de um livro, cujo título é: "A coisa" (autor: Alberto Moravia). Cheguei até ele da seguinte forma: era uma época em que eu procurava ler autores não tão divulgados, menos mencionados nas mídias, de preferência europeus (certo preconceito, confesso) e cujo enredo da história parecesse intimista, nos recônditos do ser humano. Procurava primeiro livros de contos para depois, se eu gostasse, comprar algum romance do autor. Também gosto muito de contos, sinto uma certa densidade, não sei porque ..... é uma sensação. Fazendo, então, a garimpagem na livraria vi esse livro e resolvi comprar. Me surpreendi com o conteúdo. Eram contos com temáticas bem originais, intimistas e profundas. Levavam o leitor a universos pouco mencionados, bizarros, mas tão reais no imaginário coletivo que me envolvi. Uma "coisa" meio underground, meio que do submundo do inconsciente, meio erotizado. O conto que deu origem ao nome do livro não foi o que mais gostei, o meu eleito foi um cujo nome acho chamar-se "O diabo".  Tem aproximadamente uns 15 anos que li o livro, hoje  não está mais comigo, então vou falar por lembrança, acreditando que pouca coisa ficará distorcida (se algo estiver muito distorcido com certeza terá um motivo que depois vejo se descubro, algum ato falho, talvez muito falho). Seu conteúdo, seu enredo ainda é muito vivo para mim. Vou advertir os leitores que conterei sobre o que versa o conto e inclusive seu final. O conto começa com um senhor sentado em um parque vendo as crianças brincarem. Esse senhor de meia idade era um cientista brilhante, que tinha uma certa perversão, da qual possuía consciência, mas não atuava, sentia. Seguia seus dias entre seu brilhantismo e sua perversão. Além desse cientista o outro personagem era o diabo. O objetivo  do diabo era conseguir almas, para colecionar em seu inferno. Para alcançar seu intento barganhava com as pessoas, prometendo-lhes aquilo que mais desejavam em troca de sua alma. Só que esse cientista não era muito simples de ser seduzido. O diabo se transforma e busca seduzi-lo, através da perversão inconfessável do cientista, que somente o diabo e o cientista sabiam. É uma sedução crescente, sutil, nada grosseira. À medida que as páginas vão virando o diabo investe cada vez mais nessa sedução e o cientista vai afundando-se cada vez mais em seu conflito. Há uma genuína tensão crescente à medida que a história vai se desenrolando. O cientista vive cada vez mais em conflito e o diabo se envolve cada vez mais com a vida e obra do cientista. Já próximo do final o diabo descobre que o cientista estava provando (não lembro ao certo se é o fim do mundo ou a existência de Deus. No mínimo uma dúvida estranha, mas ambas as hipóteses ilustram a tensão final) e fica extasiado com tal brilhantismo. Percebe-se enamorado, apaixonado pelo cientista, que acaba assinando o contrato. O diabo querendo viver intensamente seu desejo de amor pelo cientista busca beijá-lo e nesse momento se desfaz em fumaça. Absurdamente original. O cientista perdeu sua alma e o diabo não pode vivê-la, já que "brotou" uma alma própria, e não de outra pessoa. Muito "louco", interessantíssimo. Até hoje não sei dizer que "coisa" gostei tanto no conto, além da originalidade. São sensações, sensações e sensações. Não consigo interpretar, fico perplexa, atônita em ver como é o "fim do mundo ou a existência de Deus". Existem "coisas" que não conseguimos explicar, só sentimos, mas que insistimos em tentar explicar. Será que esses "buracos" de explicação precisam ser preenchidos com palavras? Só sentir ...... que mal há? E como explicar? Precisa?

5 comentários:

  1. Esse post me inspirou uma coisa, sabe, uma coisa difícil de explicar... rs

    Às vezes, tenho a impressão que isso de sentir "uma coisa" é muito mais típico de nós, mulheres! Não sei se porque os homens são mais relutantes com querer interpretar sensações, mas eu nunca vi/ouvi eles dizerem algo assim...

    Talvez, essa "coisa" esteja ligada a tal intuição, que também não sabemos definir, só sentir...

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  2. Olá Patrícia,

    Muito bem observado. Não me lembro de ter ouvido algum homem dizer que estava sentindo "uma coisa", parece uma fala própria da mulher.

    Não temos como negar, vira e mexe sentimos "uma coisa".

    Abraços,
    Patrícia

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