domingo, 11 de setembro de 2011

Curtas: Filme francês



Há mais de vinte anos tive um namorado que descrevia filme francês da seguinte forma: primeiro close na mulher dentro do quarto sentada na beirada da cama, olhando para o nada.... muda a câmera que através da janela desse quarto filma crianças brincando com uma bola vermelha, close na bola . . . . depois a câmera muda para a rua e filma um carro estacionado, e por aí ele ia. Na época eu achava engraçado, mas passados tantos anos comecei a entender mais esse sentido das várias cenas, introspectivas, aparentemente não conectadas e com vários significados. Confesso que ultimamente tenho refletido muito sobre esse elã francês e suas tradições. Recentemente vi o filme do Woddy Allen - Meia-Noite em Paris em que o personagem principal vive situações da Paris dos anos 30. Muito glamour, muitos pintores, poetas, escritores e sempre uma aura que a produção que modifica, a arte que transforma a sociedade sempre veio de lá. Por que lá tornou-se a referência onde a arte, a liberdade poderia brotar e crescer? O que havia de tão especial na formação de sua sociedade e suas ideais? Lá quase toda forma de ser na arte, no pensar, no esculpir era acolhida. Todos sentiam terem lugar, ou pelo menos possibilidade de ser o que imaginavam que poderiam ser. E ser com sentido, ser para si. O ser de lá era para dentro e ao mesmo tempo para fora, mas com uma linguagem universal imaginária. As artes, literatura, poesia falam com as pessoas não só através do intelecto, mas através do ser. Talvez até por isso os filmes franceses tivessem tão poucas falas ou mesmo falas entrecortadas de cenas e emoções que aparentemente não tem uma linearidade cognitiva. Contraponto total com a cultura american, NY. Em NY também tudo pode, tudo é acolhido, só que no estereótipo, no para fora. Os filmes americanos são recheados de falas, ações e conclusões que se esvaziam assim que o filme acaba (existem exceções). É o agora e para fora. Não existe acolhimento e sim espaço aparecer e talvez por isso seja uma cidade tão barulhenta, agitada, piscante e com tanta informação. Se tirar isso o que sobra? Paris tem construções antigas, tradição, tem uma história que está o tempo todo presente e não tem como tirar isso de lá. Faz parte desde sempre e assim sempre será. Ultimamente tenho lido algumas coisas de um psicanalista francês, Fedida, que é tão profundo em suas metáforas e compreensões do humano. Usa linguagem e imagens arcaicas, falam tão fundo que tenho sentido ímpeto de ler a obra dele no original. Conheço uma psicanista que compartilhou certa situação muito interessante em relação à obra desse autor. Contou que ao fazer seu mestrado havia uma obra desse pensador que não foi traduzida. Não lia francês e para superar esse obstáculo contratou uma professora de francês para ler e ela foi acompanhando no livro. Diz que aos poucos o texto começou a fazer tanto sentido que naturalmente estava conseguindo ler trechos em francês. Além disso a riqueza de sentido da obra era tamanha que a professora sentiu-se tocada e aos poucos foi verbalizando "coisas" próprias por sentir-se mobilizada pela leitura. E é assim quando leio o que ele escreve. Sinto vontade de ler o original porque é tão mobilizadora sua escrita, a maneira como escreve, seus pensamentos, suas imagens do humano que tenho sentido vontade de aprender francês. Quando algo "fala" e nosso eu se agita, é porque houve um sentido além da compreensão cognitiva. E a França fez e faz isso,  mobiliza coletivamente o eu de muita gente. Inclusive na psicanálise diz-se que o sujeito só passou a ser sujeito desejante (antes não havia sujeito desejante pois seu desejo já era pré-determinado por nascimento) quando houve a Revolução Francesa. O pai caiu e consequentemente a determinação do que pode ser desejado ou não. O sujeito pôde passar a ser desejante desde então e foi lá, na França. Não quero em nenhum momento afirmar que só na França nascem os que criam, os que falam ao coletivo interno de cada um, longe disso, Freud era Vienense, Darwin Inglês, mas não se pode negar que vários que nasceram em outros lugares foram para a França porque sentiam que lá havia eco, havia espaço para a expansão de seu eu. Tenho valorizado muito mais os filmes europeus por sua ausência de falas e por encenarem o que é mais próprio e humano. Dúvidas, conflitos, indecisões, loucura . . . . a vida como ela é, com todos os seus sentidos e seus não sentidos.

2 comentários:

  1. Adorei! Amo os filmes franceses,acho que gosto de todos que assisti. Para mim, não há duvida, encontro meu eco na cultura e na língua.

    Estou ficando redundante, mas muito bom seu texto!

    Cláudia

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  2. Olá Cláudia,

    Tenho sentido muita atração pela França, pelo estilo francês.

    Beijos,
    Patrícia

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