domingo, 6 de janeiro de 2013

Escolhas

Estou lendo uma biografia do Freud, escrita por Peter Gay, historiador e psicanalista. Está muito interessante,  bem escrito e, como bom historiador, situa a vida de Freud dentro do cenário político e social da época. Mas ..... em determinado momento sofri certa parada respiratória. Freud, na idade em decidir-se pela escolha profissional, cogitou seriamente seguir a carreira jurídica. Fiquei sem ar por alguns segundos. Vários flashes de perguntas vinham a minha mente. Como seria se ele tivesse optado por essa área? Será que em algum momento de sua vida teria chegado a construir tão profundamente uma nova visão do homem como o fez? Como seria a psicologia hoje? 
Uma psicanalista que conheço, em sua monografia de mestrado, abordou um conceito proposto por Foucault: a instauração de um novo campo discursivo. Em linhas gerais é a proposição de "algo" novo, original, e a partir dele, abre-se espaço para novas possibilidades de pensamento, mesmo que sejam contrários. A partir dessa discussão novos conceitos ou novas idéias são construídas e, inegavelmente, para que isso possa acontecer é necessário voltar-se ao conceito original, ao novo campo. Ou seja, sem o novo campo não há desdobramentos, não há extensões, crescimento, mudanças, etc. Então, haveria o novo campo discursivo, a psicanálise? O que teria no lugar? 
São perguntas sem respostas e na sequência dessa enxurrada de questões veio o alívio. Afinal ele não seguiu a carreira jurídica e sim a médica. Mesmo dentro da carreira médica havia tantas opções e Freud escolheu uma que possibilitou-lhe expandir o pensamento e teorizar sobre a psicanálise. E a partir dele tantos outros psicanalistas, Lacan, Ferenczi, Fedida, Winnicott, Melanie Klein, e muitos outros.  
Escolhas .... escolhas .... são sempre presentes em nossas vidas. O tempo todo fazemos escolhas, desde as mais simples, que pouco ou nada afetam nosso cotidiano, como outras que notoriamente trarão mudanças no curso de nossa história pessoal. E com essas escolhas vem a angústia, a dúvida, a incerteza do desdobramento. Mas uma certeza também fazer parte, a certeza que as coisas ficarão diferentes, mudanças acontecerão, desdobramentos desconhecidos surgirão. Ao escolher-se algo deixa-se de escolher outros diversos algos. Várias possibilidades, poucas ou só uma caberá. Escolher, decidir é angustiante. Ganhamos o incerto e ficamos em luto pelas possíveis outras possibilidades. Colocando assim parece aterrorizante, só que o  contrário da escolha é uma paralisação em vida, uma mortalidade do vivente humano. É um encolhimento do si mesmo. Tive uma paciente (já relatei esse caso no texto depressão), com um quadro depressivo moderado, que me descrevia pensamentos e sensações muito angustiantes, mas que não compartilhava com ninguém já que os achava tão estranhos que tinha receio de ouvir-se ou mesmo de ver o semblante confuso para quem contasse. Minha paciente em determinado momento de sua vida tomou uma decisão que viria mudar muitos aspectos de sua vida. Na época ela sabia que era uma decisão muito importante, planejou, traçou metas e acreditou que tudo ocorreria próximo ao imaginado. Mas não foi bem assim. Foi tudo muito diferente e sua vida foi modificada de uma maneira que não estava preparada, com perdas significativas. Foi sentindo-se triste, desamparada e sufocada por si mesma. Tinha insônias frequentes e nessas horas insones uma angústia de aniquilação tomava conta dela. Relatava-me que se sentia como no filme "Efeito borboleta", o qual nunca tinha assistido. Via as chamadas do filme e entendia que era  sobre uma pessoa que voltou ao seu passado para mudar algo, para ficar melhor, mas que ao fazer isso os efeitos eram devastadores. O personagem do filme insistia em tentar consertar isso, voltando novamente ao passado para modificar esse algo, mas as consequências  continuavam devastadoras, sempre piorando o que já estava ruim. Era como ela se sentia. Ao tomar aquela decisão que abrangia aspectos muito importante da sua vida, começou a acreditar que tomou uma decisão equivocada (como o personagem que voltou ao passado) e a partir disso passou a sentir que qualquer ação ou atitude que tomasse só iria se desdobrar em algo pior do que estava vivendo. Não via saída para si mesma. Essa sensação era tão autêntica, não era um pessimismo, era uma certeza. Vivia aterrorizada por si mesma, com medo. Queria sentir-se melhor, fazer alguma coisa, mas tinha medo de tomar qualquer decisão, pois sentia que qualquer coisa que fizesse redundaria em algo pior. Paralisou, sofria muito por isso e não fazia mais escolhas, não tinha mais coragem. Seu maior sofrimento também estava relacionado a isso, a não conseguir mais fazer escolhas, fundamentais para nossa existência, nosso crescimento. 
A vida vivente nos pede que façamos escolhas. Algumas são mais simples de serem tomadas e outras não. É  sem dúvida um processo angustiante o qual precisamos enfrentar se quisermos continuar a expandir. Somos originais, somos singulares e crescer, expandir é parte do vivente. É fácil? Não. É parte? É.

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