quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Cuidado afetivo

Ontem conversando com minha tia (que já citei em outro texto - QI coeficiente de inteligência, uma bobagem) versávamos sobre a tópica dessa infantilização que a sociedade está incentivando em seus jovens em função dessa rede proteção e garantias ilusórias proliferada por todos os cantos do planeta. Para ilustrar ela contou-me que em sua fase de menina, quando ia ao sítio de sua madrinha, andava de bicicleta em chão de terra batida, com "obstáculos", divertia-se muito, mas também machucava-se muito. Contou-me que uma vez ralou toda a perna e que não contou para a madrinha pois achava que a dor do machucado era menor do que a dor do unguento que ela passava (pelo que entendi tinha álcool misturado com mais algo). Porém, durante a noite disse gemer tanto que a madrinha foi ver o que estava acontecendo e . . . . . não deu outra, uma super compressa desse unguento e a outra dor. Continuamos a conversar sobre outras coisas, mas desde o momento em que ela me contou esse episódio comecei algumas divagações. Algumas lembranças também me surgiram (eu conhecia a madrinha da minha tia, era uma das minhas tias avós). Ao desligar senti que minha tia não tinha só contado uma história sobre molecagens. Ela também me contou uma história de carinho, de afetividade. Lembrei de algumas outras histórias dela e de sua madrinha: um dia fugiu de casa e foi se abrigar na madrinha, nas férias que lá passava e nos cuidados que recebia. Os cuidados dos quais vou procurar refletir nada têm a ver com os cuidados hoje tão difundidos como o top do cuidado para nossas crianças. Quero refletir sobre o cuidado afetivo. Os cuidados atuais envolvem dieta equilibrada, outras línguas, equipamentos de proteção, celular com gps, etc., mas e o cuidado afetivo? Quando tento denominar esse cuidado como afetivo não quero dizer a preocupação com o humor da criança ou seu estado emocional, mas do sentir o afeto e a realizar troca afetiva. Estou buscando falar de um cuidado que nada tem a ver com o normatizado, palpável e mensurável. Estou tentando me referir a um cuidado que é essencial para a criação dos laços e vínculos afetivos. Sem esse cuidado o que fica é o abandono, é o sozinho. Recentemente no grupo de estudos que faço parte discutimos sobre um texto psicanalítico cujo título é: "Figuras do cuidado na contemporaneidade: testemunho, hospitalidade e empatia". Nesse texto há uma abordagem social do indivíduo em que o autor para ilustrar esse conceito fez uso de uma história acontecida em Bagdá durante a ocupação americana em 2003. O diretor da Biblioteca e Arquivo Nacional do Iraque optou por não deixar a capital. Não quis refugiar-se em outro país e, na intenção de manter seus afetos presentes, de organizar suas emoções, criou um diário, que manteve na internet, com relatos acerca da situação vivida em Bagdá, como também algumas reflexões suas sobre o que lá acontecia. O diretor persistia em manter-se no Iraque apesar da precaridade e da pressão dos familiares para se exilar em Londres, dizia: "Se formos embora, ganha a violência". De maneira simplista o diretor não queria abandonar o que sempre lhe fez sentido e com isso também tentava não ceder ao mecanismo de defesa da insensibilidade, do anestesiar-se. Saindo do cenário, não vejo, não sinto e não sofro, fico anestesiado. Tornar-se insensível, abandonar a si mesmo a ao outro não foi a escolha do diretor. Porém a situação era de extrema insegurança e ameaça de morte e para manter seu psiquismos estável lançou mão do cuidar. Fazia o relato do que vivia diariamente, buscando testumunhas para o que acontecia. Buscava testemunhas para seu estado de ânimo, para o como mostrava-se não anestesiado. Com o diário sentia sensibilização, que seu sofrimento tinha eco. Esse cuidar envolve pelo menos dois. O cuidar do qual estou falando não é ir lá, tirá-lo da biblioteca, não é minimizar seu sofrimento ou eliminá-lo e sim acompanhá-lo . . . .  "apenas" acompanhar.  Ele queria companhia, testumunho ao que vivia diariamente. Era o que precisava. Assim sentia-se sendo cuidado e conseguir manter-se sensível. Voltemos a minha tia. Será que sentiria-se tão afetivamente cuidada se sua madrinha ficasse o tempo todo vendo-a andar de bicicleta  e toda vez que a visse cair corresse com um unguento? Ou será que sentiria-se sensivelmente cuidada quando no final do dia, ao sorrir, sua madrinha era testemunha de sua alegria? Aposto na segunda. É um acompanhar subjetivo que nada tem a ver com presença. É testemunhar e dar valor ao que o outro sente . . . . e vice-versa, o outro também testemunhar o que sentimos. Os momentos em que nos sentimos acompanhados vão sempre nos acompanhar e o momento que acompanhamos o outro também.

2 comentários:

  1. muito bom amo seus texos

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  2. Olá Anônimo,

    Muito caloroso seu comentário. Senti o cuidado afetivo do testemunho.

    Obrigada.
    Patrícia

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