terça-feira, 12 de julho de 2011

Marginalidade

Sempre ouço rádio de notícias no caminho ao trabalho. Hoje não foi diferente. Teve o relato de um ouvinte que chamou minha atenção. Não só pelo fato em si, mas também pelo que comecei a pensar. O ouvinte, em seu relato, disse ter sido assaltado por três adolescentes em um farol que portavam revólveres. Após o assalto foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência e o delegado disse saber quem eram. Pegou uma foto que foi tirada por câmeras de trânsito e, para espanto do assaltado, reconheceu os três no momento em que viu a foto. O delegado mencionou conhecê-los há muito tempo, tinham em torno de 12 e 13 anos e  por serem menores não havia o que ser feito. O assaltado também relatou que nas duas horas em que ficou na delegacia chegaram mais pessoas que vitimas de assalto, na mesma condição que ele e pelos mesmos infratores.
Fiquei muito triste ao ouvir esse relato. Não só pelo medo da violência. Imaginei como esses meninos viverão muito pouco, se é que já não estão mortos. Em breve vão perder suas vidas e provavelmente também tirar a vida de outras pessoas, se é que já não tiraram. Esses meninos, como outros em condições similares, são negligenciados (não só por familiares, mas pela sociedade em geral). Não demonstram sentir medo. Não mostram possuir qualquer freio social. A lei moral para eles nada representa.
Essas leis não se constituíram, não se estabeleceram só para repreender, para tornar as pessoas engessadas ou submissas. Elas existem também para as bases de sustentação de qualquer ordem social e do constructo do indivíduo.
Não é só a espécie humana que têm essa organização. Os chimpanzés possuem normas de conduta, estrutura hierárquica social, assim como outros primatas superiores. Existe um sentido muito vivo nessa ordem.
Uma dessas leis que rege nossa sociedade é a preservação da vida, tanto a sua como a do outro. Se a maneira de reprimir a vontade de matar outro ser humano é através de religião, leis jurídicas, mandingas, ardência no fogo do inferno, pouco importa. O principal é uma existir uma "barreira", uma norma e uma conduta naquela sociedade. Se não for seguida a consequência acontecerá, seja ela qual for.
Além de manter a ordem essa norma contribui para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Para segui-la a pessoa precisa desenvolver mecanismos internos para conter uma ação decorrente de uma emoção instantânea. Por exemplo: uma criança pequena, uns 7 ou 8 anos, reclama que não quer ir à escola, que aprender é chato, e os pais resolvem "respeitar" o desejo de seu filho e o liberaram de ir à escola.  Nessa idade a criança não tem condições de fazer escolhas dessa natureza, que envolvem sua pertinência social e seu desenvolvimento individual. Essa criança não sabe projetar futuro, não tem vivência e nem maturidade emocional para fazer uma escolha que está diretamente ligada a sua sobrevivência física e emocional.
Toda pessoa, ao longo de seu desenvolvimento infantil, precisa de uma contenção externa, precisa de um condutor. Não conseguimos desenvolver contenção interna se no externo não tiver nada que me dê base.
Então, esses meninos, simplesmente não tiveram ninguém que fizesse esse papel de contenção externa, conheceram a marginalidade muito cedo e nela ficaram. Sentem-se potentes portando armas, e são mesmo, podem matar alguém. Mas, e se tirarmos isso deles, o que será que sobra? Essas crianças não desenvolveram mecanismos de defesa e pertencimento mais elaborados. Se desenvolveram de uma única maneira. Atacam para obter o que querem no momento em que querem. Não existe o outro, talvez até por eles não existirem para ninguém. Não precisam, elas têm armas e muito cedo se envolvem em situações de risco tanto para si como para o outro. Isso é muito triste. Nesses casos a gente nunca sabe onde começa uma coisa e termina outra. O quanto tem do social, do familiar. Senti certa tristeza por esses meninos, e pelas vidas que tiraram ou tirarão. Só mortes, eles mortos como pessoas, e em breve seus corpos também.
Já fui assaltada a mão armada em outra ocasião, foi assustador. Não quero passar por isso de novo. Mesmo assim, eu continuo me perguntando: será que esses meninos tiveram alguma chance de ser diferentes ou será que já nasceram pré-destinados pela combinação de fatores sócio, econômicos e familiares?

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