domingo, 17 de julho de 2011

Medicina hiper diagnóstica laboratorial

A medicina de hoje está muito avançada para diagnosticar e o conhecimento da existência de uma série de doenças, raras ou não, está cada vez mais presentes. E esse conhecimento, essa descoberta dessas doenças desencadeia o desenvolvimento de testes laboratorias específicos para confirmar as suspeitas. Afinal, o médico cria hipóteses de possibilidades ao examinar clinicamente um paciente, ao ouvir seu histórico e a descrição e seus sintomas e existem determinados casos que é necessário um exame laboratorial para confirmar ou descartar hipóteses levantadas. Mas também há casos que só o histórico clínico já indica a doença.  Mas uma coisa é sempre igual, o exame clínico realizado pelo médico é imprescindível para gerar hipóteses e os laboratorias para confirmá-las ou não. Hoje, esse panorama que eu apresentei . . . .  só no mundo da imaginação. Vou ilustrar minha reflexão com um caso específico em que a intensificação do diagnóstico laboratorial pode trazer muito prejuízo na vida das pessoas. Há pouco mais de um mês nasceu uma sobrinha minha, filha da irmã de meu marido e uma alegria na família, uma vivência única e agradável que sempre acontece quando há um bebezinho. E nesse caso específico foi o primeiro filho de um casal que teve muita dificuldade para a concepção. Tudo estava muito bem quando, após uns 20 dias do nascimento, o médico liga dizendo ser necessário fazer outro exame do pezinho porque deu alteração em uma proteína que pode indicar fibrose cística. É uma doença crônica e fatal, a expectativa de vida do indivíduo por maior que seja é de 30 anos. Foi um pânico, minha cunhada e meu cunhado foram do céu ao inferno em questão de segundos. Para resumir a segunda prova deu negativa, ela está ótima, mas depois eu soube detalhes sobre esse teste, o porque da investigação e fiquei indignada com a irresponsabilidade dos médicos em pedir tal teste aos recém nascidos. O bebezinho nasce com uma proteína sensível para essa doença e se essa proteína estiver em níveis elevados pode indicar probalidade da criança ter essa doença. E que com o passar dos dias, o nível dessa proteína vai baixando para aqueles que não têm a doença, portanto é muito comum bebês recém nascidos saudáveis terem em seus primeiros dias de vida essa proteína aumentada. Além disso existem sintomas clínicos claros desde os primeiros dias do bebê que podem indicar a existência dessa doença: o mecônio demora para descer, não pega peso, não evacua normalmente, essa proteína interfere na digestão e na absorção dos nutrientes. É um caso muito diferente de outra patologia que é detectada pelo teste do pezinho, o hipotireodismo congênito que se detectado cedo as intervenções podem impedir que haja comprometimento no desenvolvimento neurológico da criança. No caso da fibrose cística muito pouco pode ser feito logo que o bebê nasce para impedir prejuízos maiores. Minha cunhada também contou outro caso de uma vizinha dela, também com um bebê recém-nascido cuja primeira e segunda prova do teste do pezinho deram positivo para a doença e que o próximo passo era fazer o teste do suor no H.C. Essa mãe contou para minha cunhada que quando chegou no H.C. existiam muitas mães na mesma situação que ela. No caso deles o sofrimento foi de quase dois meses, pois além da segunda prova o teste do suor demora 45 dias para ficar pronto e deu negativo. Qual será que foi o dano psicológico e emocional para esses pais e esse bebezinho, e para os outros milhares que sofreram na mesma situação até descobrir que seu bebezinho goza de ótima saúde? Tem algum teste laboratorial para comprovar? Qual o custo benefício de se fazer o teste nos recém nascidos se essa proteína é tão sensível de ser detectada? É como no hipotireodismo congênito que internvenções emergentes podem fazer toda a diferença? Será que a medicina laboratorial  acredita que há sofrimento para os pais, que a produção do leite materno pode ser afetado, que a ansiedade de saber se seu filho tem ou não uma sentença de morte pode afetar periodicamente o desenvolvimento da criança e a relação deles. Onde está a medicina clínica? Será que ao invés de desenvolver o teste laboratorial para fibrose císitca e torná-lo rotina os médicos pediatras não deveriam ser treinados a conhecer mais sobre a doença e seus sintomas para que, se perceberem tais sintomas na criança, aí sim pedir exames para confirmar ou descartar o diagnóstico. Nesse caso específico da fibrose cística (caso que conheci recentemente) a medicina do diagnóstico laboratorial tem condenado pais e bebezinhos ao inferno, por muitos dias, sem serem "pecadores". Um crime. Acho que a medicina avançou muito em tecnologia,  mas a formação clínica dos médicos está cada vez mais pobre. Eles têm dificuldade em acreditar nos sinais clínicos que enxergaram, precisam das provas laboratoriais. Os médicos estão tornando-se "covardes", estão perdendo a capacidade de acreditarem em si mesmos, pois a medicina do diagnóstico laboratorial está encapsulando a clínica. Tem também uma parcela de médicos que acha mais fácil ser um leitor de resultados de exames porque não precisa se responsabilizar por ter investigado mal, por não ter dado atenção a determinados sintomas. São os do tipo "corpo fora". Tenho também um exemplo ótimo para os do tipo do "corpo fora". Uma vez meu marido ficou com uma febre de uns 38 graus, que pouco abaixava e uma dor de cabeça fortíssima. No terceiro dia surgiram umas manchas vermelhas no seu braço. Fomos ao médico do P.S que mal o examinou e pediu um exame de licor para descartar meningite, além do hemograma. Questionamos se não poderiam ser antes descartadas outras coisas e o médico disse: "vou então pedir a opinião de um colega." A porta estava aberta e um outro médico passou e ele chamou. O outro médico ficou na porta mesmo e o que nos atendia disse: "dor de cabeça, febre, manchas no corpo, peço licor (sic)", e outro disse: "Oh". Foram as três horas mais longas, tínhamos filhas pequenas, a irmã dele com um problema de saúde, etc..... ficamos no isolamento. O enfermeiro que foi nos atender quando soube do possível diagnóstico saiu fora na hora para verificar uma "coisa". Meu marido fez o exame, bem invasivo, depois de feito a pessoa precisa ficar 24 deitada e só levantar para o essencial. O plantão trocou e o médico que veio nos dar a boa notícia, questionou de maneira sutil porque foi feito o licor e disse que o hemograma estava típico de uma virose. Dissemos que as manchas vermelhas no corpo era o que havia de estranho. Esse outro médico apertou uma delas, que ficou amarela. Ele disse: "são manchas alérgicas, manchas de meningite se apertadas continuam vermelhas, pois são pequenos derrames de sangue". Lógico que fiz uma e-mail enorme para o hospital que dias depois me ligou dizendo que em função da minha reclamação alguns procedimentos no hospital foram alterados. O atendente do hospital, que me ligou, se esquivava de toda e qualquer pergunta que eu fazia para me aprofundar no caso. Ficou claro para mim que se o hospital assumisse que o médico realmente errou feio ao pedir o exame poderíamos entrar com um processo. Além do nervoso, do procedimento invasivo, temos que pagar mais pelos nossos convênios médicos, pois quanto mais os procedimentos são feitos mais os convênios aumentam suas mensalidades. Além de tudo somos invadidos em nosso bolso pelos médicos do "corpo fora". Depois de tudo isso eu pergunto: onde estão os médicos clínicos, para mim uma raça em extinção. Tem um livro ótimo chamado "A cidadela"de A. J. Cronin, que mostra o trabalho de um médico em uma mina de mineração e várias conclusões sobre alguns dos males provocados por esse trabalho. As conclusões a que ele chegou foram através de sua observação do dia a dia do trabalho e dos sintomas que os trabalhadores apresentavam. Tem também uma história de romance e algumas crises existenciais, mas mostra também o trabalho de um médico clínico.

3 comentários:

  1. Essa sempre foi a tese do Vicente Cypriano ...

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  2. Parabéns pelo blog, você conseguiu escrever exatamente o que eu e minha esposa sentimos nesse momento, uma sensação de incapacidade de não podermos fazer nada a não ser esperar a contra prova. Mal consigo concentrar no serviço e fico pensando o tempo todo em meu filho.

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  3. Olá Marco,

    Fico triste em saber que você e sua esposa estão passando por um momento tão difícil. Estou solidária com o sofrimento de vocês, o compreendo. Espero que em breve recebam as boas notícias.

    Desejo a vocês que consigam superar esse momento de angústia e possam curtir com alegria a chegada do novo serzinho que vem muito para encantar e colorir nossa vida. Ah...... também espero que ele dê muito "trabalho", seja bem arteiro, alegre e brincalhão. Assim são as criança.

    Abraços,
    Patrícia

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