domingo, 7 de agosto de 2011

A bolha da "normalidade"

Nas últimas semanas tenho entrado em contato com condições de vidas cujo psiquismo está no extremo de sua desorganização. O prejuízo é tanto que esses indivíduos precisam ficar em uma instituição para buscar certa estabilização emocional que os possibilite minimamente interagir consigo mesmo e com o outro. Por isso tenho ouvido diariamente histórias de família complexas, percebido muitos vazios e desorganizações, momentos significativos que são entendidos como banais e particularmente, muito sofrimento. Em outra ocasião de minha vida profissional também ouvia histórias no extremo do sofrimento, foi quando fazia um trabalho voluntário em uma favela de São Paulo. Esses  indivíduos com essa condição econômica não tinham oportunidade de mascarar sua história com muitos enfeites, por isso eles se apresentavam nus. Simplesmente se mostravam. Dava para ver as escaras a céu aberto, não tinha como não ver.  Era muito sofrimento, mas ao mesmo tempo podíamos juntos tentar fazer alguma coisa para cuidar do que fosse possível. Dava para ver. Tenho, então, na clínica psiquiátrica, revivido isso. O indivíduo está nu e a família tenta, com muito custo, organizar e colocar algum enfeite naquele realidade tão desorganizada. A família nada mais está fazendo do que o sempre fez. Esconder-se porque socialmente é algo difícil de se lidar e não é bem visto. Não é bem vista a desorganização de personalidade, as histórias de vida complexas e não lineares. A família tenta manter-se na bolha da "normalidade", a sociedade estabelece isso. Tem também o esconder para expiar a culpa que sentem por considerarem-se responsáveis pelo que está acontecendo. É muito sofrido atribuir responsabilidade a algo que fugiu do controle de todos, inclusive do próprio indivíduo. Outro dia em um texto coloquei o quanto achava que crianças tidas como marginais estavam mais para vítimas do que gostaríamos de pensar. Percebo que essas famílias também são vítimas de uma "norma de normalidade" ditada em algum momento de nossa história. O natural das relações humanas, essa desorganização com desequilíbrios momentâneos, rupturas com o curso anterior ficou rotulado com "anormal". Durante muito tempo pensei que como lido todos os dias com esse cenário de desorganização que eu vivenciava algo fora da norma, porém recentemente comecei a concluir que não. O que ouço e vivencio diariamente na clínica nada mais é do que a vida desnudada, exposta. Não conheço uma pessoa que não sofra, não conheço ninguém que não tenha histórias "estranhas" em sua família. Não conheço nenhum pai e nenhuma mãe (me incluo) que não tenha dúvidas do que esteja fazendo ou mesmo que perceba que sua maneira de ser não é das mais "equilibradas", mas é seu jeito, não sabe fazer diferente. Não conheço ninguém que não tenha vivido situações traumáticas em sua vida, que foram determinantes para mudar o curso de sua história. Não conheço ninguém que não seja "normal e anormal" ao mesmo tempo. A grande maioria das pessoas procura esconder esse mundo interno e familiar "alucinado" através de uma vestimenta de artificialidades e perfeição. Só que a vida o tempo todo nos está expondo e podem acontecer momentos que o escondido é visto. E . . . . .  a bolha arrebenta. Essa busca em manter-se escondido na bolha da "normalidade" de nada adianta. A bolha além de transparente é fácil de estourar. O natural, as histórias de vida confusas, as tristezas e loucuras deveriam ser parte do dia a dia e não algo fora do comum e que deve ser camuflado. A "normalidade" como está estabelecida hoje foge ao natural, ao comum. Não somos uma única coisa, somos o que vivemos, as situações que elaboramos, as que não, as histórias de nossos pais, avós, tios, primos, de nosso país, de nossa cidade. Somos um animal gregário e nossa história é também a história de nossa grei. O complexo É parte.

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