quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A chuva e outros desdobramentos



Nesses dias que têm chovido, por várias vezes me peguei observando o fenômeno, e lembrei-me de algo marcante. Lembrei-me de um período bem longínquo da minha vida, a infância, em que a chuva representou um momento de afirmação sobre minhas idéias e sobre mim mesma. O cenário foi o ambiente escolar, mais precisamente as aulas de português. Tempo: 8, 9 10 anos. Eu gostava muito de fazer redações, gostava das minhas idéias, mas sempre tirava notas baixas e nunca obtive nenhum elogio de nenhuma das professoras. Tinham outros alunos cujas redações eram elogiadas e as achava comuns, não via motivos para tal alarde (mas era a minha modesta opinião). Ficava sempre pensando que minha avaliação de mim mesma era estranha, não batia com o retorno das professoras, não conseguia encontrar o que havia de "errado". Os anos foram passando e eu mantinha o mesmo desempenho, a mesma frustração, a mesma estranheza. Estava então, na sexta série, tinha 11 anos, e no primeiro dia da aula de português o professor pediu para que escrevêssemos uma redação descritiva com tema livre. Eu estava sentada junto a janela e, ao olhar para fora, vi que chovia e resolvi escrever sobre a chuva. Não lembro do conteúdo exato, faz muitos anos, mas lembro que escrevi sobre os diversos aspectos da chuva, as diferentes intensidades, sobre suas consequências, sua serventia e lembro que finalizei a redação reunindo todos esses aspectos e destacando sua importância. Gostei do que escrevi, mas deixei minha expectativa de molho, esse professor era "secão", esperava algo semelhante aos anos anteriores . . . . a indiferença. Qual não foi a minha surpresa, quando na próxima aula da matéria, o professor disse que tinha lido todas as redações, em sua avaliação havia muito trabalho a ser feito, e dentre todas as da sala iria ler uma redação para usar como exemplo. Leu o título: A chuva. Quase desmaiei, o tempo parou. Leu a redação inteira e finalizou dizendo que aquela redação estava boa, tinha começo meio e fim e com um bom desenvolvimento das idéias. Flutuei, tamanha a minha satisfação. Ele não citou o autor e isso pouco me importou. Meu maior prazer foi finalmente ver que a imagem que eu tinha sobre mim tinha um reflexo. Eu gostava do que eu escrevia (nada extraordinário, mas eu gostava) e, além de mim, mais alguém reconheceu isso. Não precisava do reconhecimento dos colegas, não queria o prêmio Nobel (na verdade nunca contei que a autoria era minha) eu só queria de um eco, um testemunho de reconhecimento. As aulas de português com esse professor tornarem-se um prazer. Não porque ele me elogiava, acho que nem sabia meu nome. E não era por gostar da matéria. O principal motivo era porque eu sabia que esse professor conseguia ver em mim a mesma coisa que eu via. Era uma satisfação sentir-se vista como eu me via. Só que durou pouco. Mais ou menos com um mês, logo depois do início do ano letivo, ele ficou doente e teve que sair em licença médica. Senti tanta tristeza. Tudo voltou muito parecido com o antes, só que agora eu não tinha mais a frustração do não ser vista, isso já tinha acontecido. Essa experiência, por mais banal que pareça, é importante. Basear sua opinião sobre si mesmo através da própria percepção, e não só através do censo comum, é importante para desenvolver individualidade, singularidade e sentido. E os jovens de hoje têm conseguido realizar esse processo tão importante para o amadurecimento, para o tornar-se adulto? Não sei. Para mim, hoje os jovens parecem muito soltos de si mesmos e mostram pouco sentido singular no que fazem. Outro dia fiquei estarrecida com o que uma amiga me contou, que a filha contou sobre uma situação que uma amiga dela vivenciou. O enrosco já começa em como a história chegou até mim. Alguns adolescentes, entre meninas e meninos, menores de 18 anos, foram passar os dias na praia, beberam muito e liberaram seus instintos. O que queriam com isso, por que agiram assim, não souberam responder. Fizeram porque fizeram e porque todo mundo faz. O que extraíram da experiência? Nada, o impulso veio do nada interno. Eles conseguem relatar a história, mas não conseguem nomear o que sentiram, não vêem motivos para pensar ou refletir a respeito, foi do momento, essa é a máxima: o momento. Ou seja, pouco ou nada sabem sobre o que sentem, o que querem, muito menos algo sobre si mesmos. É uma história triste. É uma história vazia. Vazia de sentido, de singularidade, vazia do reconhecimento de si mesmo naquilo que é vivenciado. Não percebem, não conseguem saber que uma das formas possíveis do prazer está em ver-se e ser visto naquilo que se está vivenciando. Reconhecer-se, saber sobre si, apreciar a própria singularidade, além de prazeroso também é fundação para experiências que, além de gerarem prazer, também trazem sustentação para os momentos difíceis que a vida apresenta.

4 comentários:

  1. Acredito que sejam poucas pessoas que conseguem sentir a intensidade delas próprias no mundo... As pessoas parecem sentir um vazio existencial muito grande, parecem sentir que estão aqui por estar e, portanto, devem agir igual a todos. Eu sou diferente,sinto que tenho que fazer a diferença e sinto que também preciso me encaixar neste mundo vazio, para saber como as pessoas se sentem e para não me sentir isolada numa ilha.

    Gostei muito do seu texto.

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    1. Olá Lorena,

      Realmente essa singularidade é difícil, mas é possível e traz muita satisfação. E não é por isso que também não podemos viver em coletivo, dar espaço ao outro, só que é necessário que também saibamos qual o espaço que temos com nós mesmos.

      Abraços,
      Patrícia

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  2. ola adorei reflete a criatividade eu sou diferente se o professor liice aminha redação como exeplo eu ia falar que eu éra a autora também ia mesenti muito bem e ogulhosa do que eu exeqrevi adorei

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  3. Olá Anônimo,

    É muito bom quando somos reconhecidos em nossas habilidades. Adorei seu comentário.

    Abraços,
    Patrícia

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