sábado, 27 de agosto de 2011

O "óbvio" psicanalítico

Trabalho em uma instituição psiquiátrica e é próprio e característico que os pacientes internados, nesse momento específico  de suas vidas, nesse recorte de sua história, estarem em comprometimento psiquico que provoca sua retirada do convívio social. Esse comprometimento também o impede ou tira suas possibilidades do cuidar-se. Há casos também em que a família não dá mais conta de ajudá-lo e por isso recorre a um sistema de saúde mental (internação). Está precisando que outros cuidem de seu familiar como também precisam desse tempo para cuidarem-se. A internação também é um momento em os mecanismos de defesa do sujeito e a maneira que ele os desenvolveu para constituir-se como pessoa sofreram falência e ele está à deriva. Nessa instituição faço o atendimento psicológico desses pacientes psiquicamente frágeis e esgotados. Ao atendê-los busco junto a eles a ressignificação de alguma parte de sua história de vida que o ajude a olhar-se diferente e estruturar algo "velho" (na verdade é atemporal, pois está lá desde antes) para que seu psiquismo volte a ter certa cadência e ele possa voltar ao convívio social e consigo mesmo. Sempre nas 1ªs, 2ªs, 3ªs e outras tantas consultas que forem necessárias sinto a angústia da urgência de encontrar naquele indivíduo algo que faça sentido a ele mesmo para que ele possa sustentar-se psiquicamente e voltar ao convívio social. Falar da doença, dos sintomas, conscientizá-lo de sua morbidade de nada ressignificarão esse algo ou algos que provocaram sua falência. E para mim é claro, essa angústia é minha e essa semana eu percebi que essa angústia estava muito presente contibuindo para eu encobrisse o que acredito ser o mais importante: o "óbvio" psicanalítico, aquilo que mostra minimamente ao paciente e ao psicanalista os "lugares" possíveis de ressignificação. Por diversas vezes, essa semana, me deparei com a seguinte fala, minha: "seus mecanismos de viver, como você se constituiu como indivíduo entraram em falência e as coisas ficaram difíceis". Não fiz essas colocações sem contexto, objetivamente cabiam, mas só isso. Ao ouvir-me pela 3ª vez repetindo essas palavras, com pacientes diferentes senti que havia algo de "errado" comigo. Esse é o óbvio concreto, essa fala cabe, mas não traz nenhuma ressignificação já que é apenas uma constatação, tal qual uma pessoa quando sente sede sabe que isso acontece porque seu organismo está precisando de líquidos. Percebi isso quando um paciente, que eu tinha atendido uma 1ª vez, trazia muitos conteúdos, muita emoção para a sessão e todas as interpretações que tentei fazer eram óbvias no sentido do concreto. Eu não mostrava nada de novo, não mostrava ou não o fazia perceber que para saciar sua sede a água poderia servir. Logo depois de eu ter lançado mão da frase "papagaiante" (seus mecanismos. . . .  falência ) percebi que estava tudo errado, que o paciente estava procurando saber que líquido seria bom para ele. Ele não estava conseguindo saber. A ansiedade dele era transbordante, ele me mostrava isso claramente. Além de todos os fatos que ele me colocava sua subjetividade estava aflorada, seu psquismo em tempestade. Por diversas vezes ele repetia, estou cansado de sentir isso, estou cansado de viver aquilo, estou cansado de ter deixado isso acontecer comigo, estou cansado, estou cansado, estou cansado. . . .  no fim da sessão, após eu mesma achar que estava sendo uma  péssimas sessão, que eu não estava fazendo nada por ele, algo mudou. Eu disse para ele. . . . . "quando se está cansado o que deve-se fazer por si mesmo é descansar. . . . no momento é o que você está precisando. . . . . descansar". Seu semblante angustiado mudou e ele me disse: "puxa dra. eu não tinha pensado nisso, acho que é isso que eu estou precisando". Esse era o líquido que ele precisava para saciar sua sede. O mais simples de todos e o mais rico de todos, a água. Uma colocação óbvia, mas óbvia psiquicamente. Seu psiquismo estava muito tumultuado, precisava de um tempo para se organizar, precisava de descanso. O óbvio psicanalítico é isso, água, algo que hidrata, algo que traz alívio, pode ser momentâneo mas faz muito sentido.

2 comentários:

  1. Ontem foi dia do psicólogo, não foi?

    Parabéns!!

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  2. Olá Anônimo,

    Ontem foi dia do psicólogo. Muito obrigada pela lembrança.

    Abraços,
    Patrícia

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