quinta-feira, 29 de março de 2012

Chefia masculina ou feminina, o que é melhor?



Tema complexo. Recebi em um desses boletins de RH uma matéria sobre os resultados de uma pesquisa cujo tema era: "se as mulheres preferiam ter como chefes homens ou mulheres?". O resultado apresentado afirmou que 82% das mulheres entrevistadas afirmavam preferir homens como chefes. As razões que justificavam tal preferência foram as mais genéricas possíveis. Confesso que pesquisas do gênero me incomodam do começo ao fim, já que procuram padronizar e justificar algo "impadronizável". Cada ser humano é único, cada um tem uma historia de vida, foi criado em uma cultura familiar única que inserida nos valores morais e sociais da época em que vivem, configuram aquele ser humano em particular. Nos dias atuais, no mundo Ocidental, as mulheres estão cada vez mais à frente do mercado de trabalho e talvez por isso estejam mais em evidência na atualidade. Há poucos anos essa configuração social mudou, e toda mudança demora um tempo para se acomodar. Durante muitos anos trabalhei em grandes corporações e independente da empresa o discurso feminino sobre a liderança da figura feminina era o mesmo. Frases do tipo: "prefiro trabalhar com homens, mulher é muito invejosa", "mulher é muito competitiva", "mulher não sabe lidar com o poder", "aposto que está de TPM", "ninguém aguenta esses hormônios", etc.... essas frases eram diariamente repetidas por diferentes mulheres. Sempre me incomodou, afinal era uma mulher generalizando características de outra mulher, então .....  se quem fala é mulher, ela também é assim, segundo sua própria concepção de mulher. Simples, né? Não, a mulher que emitia sua generalização não falava dela e sim da outro tipo de mulher, se colocando então em outro gênero do femino (paradoxal, digamos) em que essas características não eram parte dela.... uma mulher. Confuso .... mas era assim que funcionava, e funciona até hoje. As "falantes" ainda não perceberam que quando falam das característica genéricas do feminino estão falando de si mesmas e generalizando a si mesmas, também. Só que esse grau de conscientização, ou de lógica, não se aplica a elas. Então, conclui-se o que? Outra generalização muito divulgada e anunciada é que mulher é fofoqueira. Nessas empresas conheci vário homens que eram verdadeiras "candinhas" e outras tantas mulheres que eram muito discretas. (Abre parênteses - O "fofocar" fez parte da nossa evolução em sociedade, os motivos, agora não cabem, então o "fofocar" é parte do desenvolvimento social humano e não exclusivo da mulher. Todos "fofocam" (falar sobre a vida de outro, falar do outro), e dentro desse falar do outro existem as "fofocas" perniciosas, destrutivas que são utilizadas para derrubar.. "Fofocas e boatos" com intenção, com uma direção, podem ser armas letais. Fecha parênteses.) Voltando a mulher, ou melhor ao ser humano. Ficar batendo na tecla que o homem é assim e a mulher assado não ajuda em nada na melhoria da relação com a sua chefia, seja homem ou mulher. O que leva é questionar o papel da autoridade em nossa vida, como nos sentimos diante dela. Quem gosta verdadeiramente de ser subordinado? De estar sob o olhar, a vigilância e a crítica de alguém? Lembrem-se de quando éramos adolescentes: o pai, a mãe, a tia o tempo todo vigiando, querendo as "prestações" de conta do que fez, porque fez, do que deixou de fazer, etc....não eram muito bem vindos, pareciam grilhões na época (os sentimentos adolescentes são intensos). Será que a relação com as chefias não dá uma certa reeditada naquilo que já se vivenciou nessa relação de autoridade e castração. Afinal, ter o gostinho de fazer do meu jeito e frequentemente ser podado, é frustrante. E a relação com as chefias também é. Dentro das empresas o campo de atuação do eu, do próprio é limitado, é parte daquele sistema ter contornos bem definidos do que querem e do que não querem. Estar dentro de um sistema que limita tanto o meu eu é angustiante. Uma das saídas para um certo alívio dessa sensação é desqualificação daquilo tudo. E nesse pacote de desqualificações vem a chefia. Naquela organização eles entendem que sua competência não é para o comando, mas para ser comandado. Como isso dói ..... muitas vezes os chefes cometem tantos erros (são seres humanos, não são completos e por muitas vezes desconhecem muita coisa) e pode vir no íntimo aquela sensação de: eu faria melhor, por que não estou naquela posição? Se me desqualificam eu desqualifico também. É uma defesa. O que acredito, generalizando, fazendo exatamente a mesma coisa que estou "condenando" é que as mulheres que hoje ocupam cargos de liderança adquirem um status de poder (subjetivo) que é muito atraente. Que mulher não gostaria de ser citada como uma das poucas que conseguiram chegar ali e enfrentaram uma legião de homens .... uma genuína fêmea-alpha. Os homens, em nossa evolução, aprenderam a lidar com o macho-alpha, já a mulher não, afinal essa figura em nossa cultura social nunca existiu. Sempre foram os machos-alpha que comandaram. Só que agora temos as fêmeas-alpha. O que fazer? Talvez conhecer mais a cultura dos bonobos em que a figura central é uma fêmea-alpha, e além disso sabem se divertir bastante..... já os mencionei em outro texto (Touradas e sadismo). Por fim, deixemos as generalizações de lado e procuremos nossa própria identidade e de que forma consigo encaixá-la no meio que vivo e quero viver, sem que sinta tanta angústia. É um equilíbrio difícil, porém possível, que traz conforto, e o dia a dia fica bem mais suave. Homens ou mulheres como chefia, tanto faz, o que deveria estar em evidência é como sou.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Quando nosso EU está fora de nós

Todas as manhãs, no percurso que faço de carro ouço uma rádio de notícias. Nesse programa existem vários comentaristas de diversos assuntos. Bem no horário que ouço tem um que não me interessa em nada, a temática é sobre futebol. Mas hoje, para meu espanto, não só ouvi atentamente como provocou-me reflexões. O assunto versava sobre o jogo de ontem, da Libertadores da América, em que o Neymar sofreu faltas graves, caiu muito e o juiz não penalizou o adversário. A discussão (os jornalistas da rádio interagem com o comentarista), era a respeito da arbitragem, que foi ruim, mas que o Neymar estava tornando-se um sinônimo de jogador que cai muito. Compararam-o com o Messi que mesmo sofrendo várias entradas agressivas, mantinha-se em pé. Especulou-se nessa discussão o quanto essa tática de cavar faltas talvez estivesse prejudicando a imagem do jogador, inclusive denegrindo a qualidade de seu futebol. Houve até uma frase do âncora colocando que o Neymar, de vitima passou a ser réu, pois no jogo do dia anterior ele realmente sofreu faltas agressivas, mas não "apareceram" defensores ao jogador, provavelmente por sua imagem e histórico de cair muito. E nessa discussão toda a rádio convidou os ouvintes para assitirem no Youtube um video  sobre o Messi, com vários lances nos quais esse jogador sofreu faltas, ou entradas agressivas e manteve-se em pé (vejam bem como era inflamada a temática). Em determinado momento o comentarista relatou que em um almoço com o Neymar Pai, este afirmou que a atitude era estratégica e assumiu que instruía o Júnior a agir assim com o objetivo de cavar faltas. Fiquei pasma, não com o fato do Neymar Pai de ter assumido o teatrinho, mas com a confirmação de que o Neymar Filho não pensa por si, age sempre de acordo com o que o pai pensa e comanda. Freud já disse: "se dois indivíduos estão sempre de acordo em tudo, posso assegurar que um dos dois pensa por ambos". E pelo pouco que sei (se estiver comentando alguma injustiça favor me avisem, caros leitores) não há outra figura a qual o Neymar Filho dê ouvidos, ou siga aos comandos.  Onde estão as idéias do Neymar Filho? Onde está o que pensa ou sabe sobre si mesmo? A resposta é simples: estão no Neymar Pai. O Eu do filho está no pai. E quando essa figura paterna não existir mais (não precisa ser a morte, mudanças podem acontecer) o que será do Eu do Neymar Filho? Não será, não há Eu. Irá sucumbir em seu vazio interno, ao seu EU oco. O Neymar não é o primeiro caso da história e não será o último, em que os desejos das figuras paternas são se sobrepõem ao EU dos filhos. Esses pais não permitem (muitas vezes sem consciência disso) seu "sonho" (que não é o filho, mas aquilo que planejaram para o filho) crie uma maneira própria de ser. Muitos pais idealizam vidas para os filhos e seguem obstinadamente esse "projeto", não deixam espaço para o indivíduo descobrir algo sobre si, do que gosta, do que não gosta, o que pensa, etc. Conduzir, dar condução e condição emocional para o filho descobrir a si mesmo é importante e imprescindível. A criança precisa, inicialmente, ser conduzida. Então mostra-se o mundo e as possibilidades ao filho. Coloca o filho ou a filha no ballet, na ginástica, em artes, no teatro, no tênis, no futsal, no volley, etc., com o intuito de favorecer experiências ao filho para ele possa conhecer suas habilidades, e também suas inabilidades, e a partir disso sentir desejo, impulsionar-se, com  desejos próprios . Outra ilustração de uma condução destrutiva é o caso tenista Martina Hings. Sua mãe colocou esse nome já com a intenção da menina seguir os passos da grande tenista Martina Navratilova. Então, para essa mãe alcançar o seu ideal colocou a filha desde muito nova no tênis e investiu emocionalmente tudo nessa "empreitada". A Hings quando adolescente ganhou campeonatos e quando jovem já estava afastada das quadras por graves lesões. Essa busca pelas vitórias foi treinada todos os dias em função do ideal da mãe, só que o organismo da Martina Hings não estava de acordo com esse ideal. O que essa mãe se esqueceu de colocar em seu planejamento é que a Hings não era a Navratilova, era a Hings. E, será que algum dia a Hings foi vista apenas como uma menina com característica de criança, sabem, com aqueles olhinhos curiosos? Ou será que toda vez que essa mãe investia na filha ela via a Navratilova e não a própria filha? Para quem assistiu Cisne Negro, este é outro exemplo do desejo da mãe encapsulando qualquer desejo próprio e singular daquele indivíduo. Esses desejos são desejos "dementadores" (figuras do livro Harry Potter), sugam a vida emocional, o que impulsiona, o que nos leva a ser nós mesmos. No caso do Cisne Negro, em uma interpretação bem simplista, uma forma do psiquismo desvencialiar-se desse ataque brutal e mortífero foi a loucura. A loucura é uma linguagem própria para aquele indivíduo, é uma busca de diferenciação, mas como sua estrutura emocional, seu psiquismo é frágil e fragmentado, essa busca não se sustenta. A maneira encontrada de sobrevivência psíquica é o transbordamento de suas fragmentações que não conseguem unir-se. Surge o cindido, o rompido. Nesse indivíduo, é uma maneira própria de escancar como sofre, como é frágil, como é fragmentado. Por fim, quando nosso EU está fora de nós quem somos? E como é bom ter nosso EU com a gente mesmo.