domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sociedade lego .... um lugar em que tudo se encaixa

Ontem fui ao cinema assistir "Uma aventura Lego" (sabem como é .... filhos). O filme é regular, só que é inegável a crítica que fazem à padronização dos comportamentos exigidos pela sociedade para que nos sintamos aceitos e tenhamos a ilusão que pertencemos àquele determinado grupo. O personagem principal, o Emmet (um bonequinho Lego), logo ao acordar pega um manual de como comportar-se, segue sem questionar as instruções, realiza as etapas exatamente conforme o "sugerido" e vai trabalhar. As cenas mostram toda uma cidade realizando os mesmos comportamentos, as mesmas falas, inclusive cantam uma única música durante o dia todo. Só que ao sair do trabalho alguns dos colegas falam de coisas particulares que gostam e o Emmet só sabe repetir o que dizem. Afinal era o que fazia todos os dias, repetia incansavelmente as "regras" do manual, sem questioná-las ou sem colocar algo próprio nelas. Bem ..... lógico que o Emmet acaba descobrindo sua individualidade e toda a cidade também se desveste dos padrões e adota certa singularidade.
Isso sempre me faz pensar na questão da individualidade versus o ser social? Como conseguimos ter nossa marca, nossa identidade preservada e ainda assim fazer parte da sociedade, cuja liberdade de expressão é entoada, mas na prática o esperado é que sejamos padronizados. Já abordei essa temática outras vezes, inclusive foi meu primeiro texto, quando debutei ao expandir minhas reflexões em um blog, e continuo com questionamentos parecidos. Um tema complexo, não acredito que tenha uma resposta fechada, precisamos da sociedade, o que ela nos oferece, mas também precisamos de nosso EU. Como equilibrar os dois? Há alguns meses vi no Facebook um vídeo de um comercial de telefonia de um pais europeu. O vídeo é ótimo, divertido, recomendo que assistam, são 30 segundos. É sobre um gato que questiona sua vida, acha-a sem graça e resolve que se "transformar" em cachorro, por acreditar vida é muito mais dinâmica, que tem muito mais a ver com ele. O gato fica só no sofá, na cozinha, parado, e começa a questionar seu modo vida, até diz que se odeia. "Magicamente" resolve ter atitudes de cachorro... rola na grama, corre atrás dos carros, joga frisbee, cava buracos, nada na água, corre com outros cachorros e além de tudo faz passeio de carro com a cabeça para fora. O gato se mostra tão feliz .....tendo comportamentos de cachorro. Não é que ser gato é ruim, para aquele gato a vida do cachorro é mais interessante e ao experimentá-la encontrou-se. E nós, quando nos permitimos isso? É inegável, o homem é um animal gregário, precisamos do outro, todos queremos carinho, amor, afeto, nascemos desamparados, e frequentemente essa sensação original se faz presente em nosso dia a dia. Mas ..... quem são esses outros? São todos ou podemos escolher? Talvez aí esteja "o pulo do gato".... Se conseguirmos nos entender, olhar para nossos buracos, vazios, dificuldades, nossa carência, saberemos encontrar um lugar em que possam ser mostradas sem que nos sintamos ameaçados, nossa "fragilidade" estará presente, além de nossas ideias, sentimentos e histórias de vida. Quando buscamos preencher o vazio com qualquer coisa (advirto: o vazio existe, estará sempre lá, o que muda é a forma de olharmos para ele), com o que não faz eco dentro de nós, o vazio aumenta por nos distanciarmos mais uma vez de nós mesmos. Será que o equilíbrio entre o ser social, o verniz que usamos não está na busca de lugares e momentos no dia a dia que nos permitam entrar contato com nossa singularidade sem que nos sintamos ameaçados ou rejeitados? Fácil? Não sei, mas não impossível. Ser quem se é com o padrão social sempre presente, existe, não é utópico. Nossa singularidade está presente conosco o tempo todo e mostrá-la, dar-lhe um lugar em nosso dia a dia nos enriquece e não necessariamente nos destruirá ou nos tornará alguém à margem do social. Seremos alguém que junto com o  social consegue ser si mesmo. Haverá rejeições, com certeza, não conseguimos ser amados por todos. Esse é nosso mais velado segredo, nosso desejo primário, que o mundo nos ame. Mas será que não é muita prepontência? Meio sufocante, eu acho. Então... sejamos mais simples .... mais nós sem termos que ser sós.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

As várias facetas da solidão

O homem é um animal gregário. Nunca esqueci essa frase inicial de um texto do Freud (psicologia das massas). Uma frase aparentemente simples, com 6 palavras, mas de uma verdade incontestável. Não é preciso dizer mais nada. Precisamos sempre do outro. Seja lá por quais motivos, em nossa natureza já vem impressa essa necessidade, a do outro. Somos um animal gregário (ponto). A partir disso muitos pensamentos podem ser colocados, mas gostaria de direcionar minhas reflexões para a solidão, sentimento tão difícil de coexistir, mas tão presente em nosso dia a dia. Quero começar com uma reflexão que fiz há mais ou menos uns seis meses, junto a uma amiga analista, sobre a solidão do analista. Durante muitos anos eu trabalhei no mundo corporativo e a dinâmica de tal instituição dilui a solidão que muitas vezes sentimos em nossas vidas, principalmente quando passamos por dificuldades, porque ao encontrarmos com outros (uma grei de certa forma), trocamos palavras, às vezes contamos sobre nosso humor, ou até para algumas pessoas mais próximas colocamos o que estamos passando. Há também a situação relacionada ao próprio trabalho em si, sempre temos com quem dividir a angústia de algo que não está indo bem, ou dúvidas que temos sobre o caminho a seguir, ou mesmo compartilhar uma conquista. Temos uma grei, temos pares, temos um conforto, mas também temos as desavenças, as dificuldades, mas sempre temos nossa grei. E no consultório? Estamos ali frente a frente com um ser em sofrimento, que traz questões muito próprias e íntimas, estamos lá ouvindo-o, tentando compreendê-lo, ajuda-lo de alguma forma, e estamos sós nessa escuta. No momento que a história é contada, que os sentimentos são expostos, não temos ninguém com quem dividir nossa percepção, nossas dúvidas. Por vezes ouvimos e nos sentimos angustiados, desconfortáveis, surgem dúvidas se vamos conseguir ajudá-lo, percebemos angústias muito profundas, e guardamos isso só para nós. Somos sós nessa percepção e além de sós temos que acreditar que o que percebemos é o que está acontecendo. Não há testemunho para aquele momento. Via de regra, um caso muito complicado, sempre levamos para a supervisão, o testemunho acontece lá, mas enquanto isso, ficamos sós em nossa percepção, em nossa angústia. E antes de analistas também somos pessoas com famílias e histórias de vida e por vezes elas entram conosco nas sessões, mas precisamos deixá-las de lado para conseguir ouvir ao pacientes. Não dá para bater papo com o paciente, ele está lá para ser ouvido e não ouvir. Mais uma vez nos desvestimos de nossa história, ficamos sós de nós mesmos, para conseguir compreender a solidão do outro. Esse retirar-se não é carteziano, não se separa integralmente um eu do outro, mas à medida que entro em contato com minha solidão como analista dou lugar para a solidão do outro - Isso é lindo!!!! E por mais contraditório que possa parecer uma das grandes conquistas na análise é o paciente conseguir entrar em contato com a própria solidão e suportá-la. É um paradoxo, somos gregários, em nossa natureza, mas em nossa essência também somos sós. Faz parte do viver com si mesmo, lidar com sua solidão, algo tão duro, angustiante, mas que ao olharmos para ela, lhe darmos o devido valor e respeito, o espaço para nossa singularidade se expande, criamos, e nos tornamos menos sós, dando espaço para o outro e não mutilando-nos ou nos deixando ser invadidos por aquilo que não é nosso. Nos fortalecemos ao conseguirmos ficar com nossa solidão. Nossa solidão é colorida, como também preta e branca, por dúvidas, angústias, incertezas, esperanças, isolamento, sonhos, coisas nossas, nossa singularidade. Então.... somos um animal gregário, precisamos de nossa grei, de nossos pares, das trocas afetivas, morais, das amizades, da família, mas também precisamos de nós .... sós. Essa interrelação é que cria a dinâmica do encontro com o outro, da troca com o outro e nos garante nossa individualidade. Adoro os paradoxos, eles nos enriquecem, é um espaço criativo, e a solidão precisa conviver com nossa grei.