sábado, 25 de junho de 2011

O previsível e o imprevisível


Quando na faculdade aprendi superficialmente sobre o conceito da dialética no diálogo fiquei encantada com as possibilidades que se apresentavam. No meu imaginário vi uma escadaria em constante crescimento. O degrau acima nunca poderia ser construído se o de baixo não tivesse vindo primeiro, e assim por diante. Pode parecer ingenuidade, mas fez tanto sentido perceber que minhas idéias e conceitos aparentemente volúveis faziam parte de toda uma construção. Que questionamentos sobre as próprias idéias, até conceitos morais fundamentais que usamos para nortear a nossa existência, eram próprios de um processo de evolução. E o previsível e o imprevisível são parte dessa engrenagem, tão delicada e tão cheia de sutiliezas. Conceitos que fazem parte de nosso cotidiano sendo que um não existiria um sem o outro. Um é a oposição do outro. É preciso lidar com os dois em nosso dia a dia, e só quem consegue estabelecer sua relação com o previsível e o imprevisível é o próprio indivíduo. Só ele sabe o que quer e o que aguenta e por questões de sobrevivência precisamos do previsível. Precisamos saber onde pegar nosso alimento, onde vamos nos abrigar, onde vamos conseguir nosso salário para nosso sustento, etc. É natural. É muito comum no caminho ao trabalho, pelas manhãs, mentalmente fazermos um balanço de como será nosso dia, uma espécie de preparação. Nesse processo, via de regra não se deixa espaço para o imprevisível, acredita-se que o dia transcorrerá muito similar ao imaginado. E, na realidade, imaginar algo imprevisível  já o tornaria previsível. O imprevisível é um lugar vazio, dentro de nós, a ser ocupado por algo não pré-visto. Tais lugares vazios são importantes para nosso desenvolvimento, é onde "habita" o imprevisível e nossa cultura ocidental está tentando tampar esses vazios.  Cada vez mais é reforçada a idéia de que tudo é previsível. Há uma intensa tentativa de fazer com que o mundo, a natureza e nós nos tornemos previsíveis. Só que se o imprevisível tiver cada vez menos lugar em nossa evolução a nossa escadaria vai estagnar. Viver no previsível é como viver em uma bolha. Vive-se somente as experiência que aquele diâmetro limitado pode fornecer. Chega-se em um determinado momento que não existe mais nada novo, só a repetição do velho. Algo além disso, só se sair da bolha, porém existirá o imprevisível. Inclusive viver dentro da bolha elimina também o previsível, instala um ciclo de continuidade da mesmice. Recentemente escrevi sobre a rotina de trabalho no Poupa Tempo. Um morte de alma assustadora. Só agora eu percebo o quando aquela rotina está relacionada ao previsível. Nos dias atuais, dizer-se imprevisível é muito previsível. O imprevisível é algo que chega sem avisar, que não sabemos de onde veio com o qual temos que fazer alguma coisa se quisermos continuar crescendo. Ter todo dia uma atividade diferente, não se ligar a alguém, comprar o que quiser, isso tudo é previsível, você quis. Lidar com aquilo que não quis que acontecesse, com o inesperado, com algo que está fazendo sua vida ser revista totalmente, esse é o imprevisível. A vivência do imprevisível pode trazer sofrimento, mas também torna as coisas diferentes, mudadas, acontecem transformações. A vida pessoal fica mais rica. É importante valorizar nossas experiências com o imprevisto, são elas que trazem novos degraus para nossa própria escada. E é importante deixar espaços vazios para que possam ser preenchidos com o imprevisto. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Curtas: O amor está no ar

Minha filha Feliz (7 anos) está mais feliz ainda. Descobriu-se enamorada de um Dom Juan (também com 7 anos) que corajosamente colocou em baixo de sua carteira na escola um bilhete: "eu te amo". Além de tal declaração esse jovem rapaz não deu-se por satisfeito e pedagogicamente pediu uma confirmação da reciprocidade: "se você me ama ponha um X no quadradinho". Feliz ficou tão radiante que pegou um papel toalha no banheiro e escreveu um bilhete: "te amo". Entregou-o ao rapazinho que, ligeiramente escreveu em baixo das palavras da amada: "eu também". Isso tudo em uma única manhã. Além de tal troca afetiva dos enamorados, Feliz compartilhou com duas colegas o recebimento do carinho. Recebeu conselho de uma delas que seria uma fria e a outra tratou de espalhar para todos da sala que estava havendo um romance. E mais, espalhou-se para todos os segundos anos, inclusive sua irmã Estrela ficou sabendo. Mesmo assim, com sua intimidade espalhada, Feliz disse-me: "mãe, eu não consigo tirar esse sorrizinho da minha cara". À noite esmerou-se para escrever um bilhete para o amado: "você quer conversar comigo no pátio?" Também me fez diversas perguntas sobre como é o amor, o que é o amor, o assunto começou a ficar complexo, mas mesmo assim tão desinteressado de enfeites, eram apenas correspondências, fiquei observando. Feliz, ao me relatar tão singelos acontecimentos, não deixava de colocar que seu Dom Juan também era diferente. No passado ela teve dificuldades com o ambiente social da escola (era outra) e agora algumas delas ainda persistem. Muitas vezes ela se interessa por coisas que outras crianças não, e não gosta de fazer parte de "panelinhas". Ela é na dela, inclusive é uma menina que não liga muito para a opinião dos outros, gosta do seu jeito e quando questionada diz gostar de si mesmo. Então, Feliz, com seu jeito peculiar de ser, em nenhum momento planejou algo ou  fez algo intencionalmente para conquistar seu admirador. Sem esperar, recebe uma declaração explícita: "gosto de você do jeito que você é". Ela está radiante, com muito motivo, quem não quer isso para si? A começar pela auto-estima. Nos tempos atuais, gestos naturais de aceitação de como somos estão escassos. Temos protocolos para tudo e o politicamente correto muitas vezes mascara o que é na realidade. Hoje entoamos discursos de liberdade de ser, mas . . . . .isso acontece de fato? Temos liberdade de sermos diferentes do que esperam de nós e continuarmos a contribuir em nossa coletividade? Acredito que temos vivido muito para fora e pouco para dentro. Mostramos o que temos e o que sabemos fazer, mas pouco do que pensamos ou sentimos. É muito fácil acabar caindo naquele vazio do, quando se tem muito a perder porque não se tem nada.   Só que enquanto isso, vou ter que pensar, refletir como mãe, observar a evolução dos acontecimentos e ao mesmo tempo admirar tal singela manifestação de carinho. Por isso coloco para os meus leitores o link do música "Love is in the air", para aproveitarmos esse momento em que o amor está no ar.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Curtas: Tempos modernos informatizados


Hoje fui ao Poupa Tempo renovar minha habilitação. Fiz todo o processo em uma hora e saí de lá esvaziada. O Poupa Tempo se aproximou muito do filme "Tempos Modernos" do Charlie Chaplin. O personagem fica apertando os parafusos em um movimento contínuo, sem mais perceber o que estava fazendo, não parava. Essa sistemática ritmada e sequencial foi desenvolvida por teorias da administração para que a produção fosse com o menor número de movimentos e com a melhor otimização do tempo. A teoria chamava-se (não sei se é assim ainda) tempos e movimentos. Bem, o Poupa Tempo implantou algo parecido para os procedimentos dos documentos. Em cada guichê para o qual se é encaminhado o atendente tem uma única tarefa a cumprir. Primeiro a checagem da documentação, depois o guichê que emite a guia, na sequência tirar a foto e digitais, pagar no banco, pegar a senha do exame médico, fazer o exame e voltar no guichê para pegar o protocolo. Os atendentes simplesmente executam, nada além disso. O guichê no qual eu mais demorei foi o da foto e das digitais. Como foram dos 10 dedos é demorado mesmo. Tive, então, oportunidade de observar a atendente. Sua fisionomia era de tédio, ela olhava para o computador, esperando carregar a digital para falar: "agora o outro dedo" e isso se repetiu por 10 vezes. Multipliquemos isso por, sei lá, uma média de 50 pessoas por dia (acho que é muito mais) e ela fala isso 500 vezes por dia e por semana 2.500 vezes. Na semana seguinte a contagem se repete: "agora o outro dedo" ou variações do tipo "novamente". Fiquei imaginando se um filho ou o marido, a mãe ou sei lá quem pergunta como foi o dia, o que aconteceu no trabalho, o que será que ela responde? Será que ela consegue sentir algo em relação a sua rotina? Não temos mais aqueles operários como no filme, mas a era da informática e das normatizações ajudam a manter a mesma mecanização. O que mudou? Agora estamos no século XXI. Indivíduos com pouco ou nenhum espaço para criar, para ter algo de si na tarefa, execuções totalmente mecanizadas. Inclusive, esse Poupa Tempo é enorme, cheio de gente. Tive uma sensação de estar em um curral bem grande, com aparente liberdade para pastar, mas . . .  cada coisa em seu lugar. Lá dentro estávamos todos mortos como indivíduos. A diferença entre mim e os atendentes é que saí de lá e fui fazer outras coisas que me trouxeram vida. . . . . eles tem que viver essa morte todos os dias. Cruel.

domingo, 19 de junho de 2011

House, um deus grego?


Via de regra, quando as mulheres se referem a um homem como um deus grego estão se referindo à beleza estonteante do espécime. No caso da minha comparação com o personagem House nada tem a ver com a estética, mas sim com suas características emocionais. Várias delas são muito parecidas as de  alguns dos deuses gregos. Não tenho nenhum conhecimento específico sobre mitologia grega, o que sei é bem superficial, mas acho que já dá construir uma reflexão, sem ser leviana. Alguns dos deuses gregos tinham características bem marcantes de egocentrismo, eram vingativos, sádicos e "usavam" os "mortais" para satisfazer seus prazeres. Eram temidos, tinham poderes de destruição e quando contrariados voltavam sua ira contra os chamados "mortais". Vários desses deuses pareciam crianças mimadas. Se não tinham seus desejos atendidos prontamente se jogavam no chão, gritavam através de raios, trovões, tempestades, se vingavam. Havia, também, muita disputa egóica entre os pares. O Olimpo estava longe de ser um lugar de paz, solidariedade e sabedoria, era um meio instável. Mas, se formos observar mais imparcilamente, as características emocionais dos deuses gregos nada mais eram do as características comuns do seres humanos só que potencializadas. Todos somos egocêntricos e reclamões, todos ficamos frustrados quando nossos desejos não são atendidos prontamente. Quem já não teve desejo de vingança contra alguém que o magoou? Mas como nos tornamos pessoas adultas, com necessidade de conviver em sociedade, em ambientes familiares e corporativos temos que aprender a lidar com esses sentimentos, com essas frustrações. Esse aprender a lidar não é necessariamente rerpimir, fingir que não sente, mas reconhecê-las e fazer algo por si. Somos mortais, se não fizermos isso nossa colheita afetiva será muito pobre e precisamos dela. Só que o personagem de House não precisa fazer nada disso para ter a colheita afetiva. Ele pode lidar com as pessoas tal qual os deuses gregos. Tudo começa por sua equipe de trabalho. Os trata com desdém, os expõe ao ridículo, e de maneira sádica, invasiva, quer sempre tirar uma confissão de alguma aparente fraqueza, tragédia ou sordidez de suas histórias de vida. E o mais interessante é que os personagens médicos, membros de sua equipe são tão insípidos. Nenhum deles cativa, se o personagem for substituído não fará falta alguma, são fantoches na série. Sua principal serventia é para criar um contexto para que o lado divino de House possa ser mostrado. House tem o poder  da cura. Ele não faz isso diretamente, mas seu saber é tão especial que acaba salvando vidas E os pacientes e familiares, como são explorados na série. Também são uns bobões. House trata a todos com desdém e estupidez. "Cutuca" a todos, faz procedimentos invasivos, tanto invasões emocionais como com aquela batelada de exames e remédios que ele vive entupindo nos pecientes. Ele só se dá por satisfeito e só consegue "a cura" quando descobre algo bem sórdido. Algo que satisfaça seus desejos de reafirmar a degradação e a podridão do ser humano. A célebre frase de House: todos mentem, é a mais pura verdade. Todos nós, sem exceção, mentimos e escondemos coisas sobre nossas vidas, e temos nossos motivos para isso. Desde algo banal, do dia a dia, até hábitos e histórias de vida bizarras. Mas House, como é um deus, pode fazer isso. Escancarar sem pedir licença ao que é mais humano no paciente. Então, mesmo com a tortura, o egocentrismo, o sadismo, os procedimentos invasivos, House é colocado em seu altar. É comum no final do episódio a Coddy dizer: House salvou mais uma vida. Obviamente que para eu estar escrevendo sobre a série é porque a assisto e me fascina como um personagem tão vil pode fazer tanto sucesso. Muitas vezes ao terminar de assistir ao episódio sinto até raiva de mim por ter perdido tempo, mas não sei explicar o que acontece se estiver passando eu assisto. House é certamente um personagem que fascina, por diversos motivos, que nada tem a ver com a realidade objetiva, e sim com identificações subjetivas ou mesmo satisfação de desejos jamais confessados. Acho que os deuses gregos tinham essa representação para aquele povo, como talvez o personagem House tenha para nossa cultura ocidental. Alguém absurdamente desprezível mas com um lugar de destaque na sociedade, com o aval social para poder viver o lado mais obscuro do ser humano. Talvez, em alguns momentos, até gostaríamos de ser como o persongagem. Porém  esse  aval só existe porque ele tem um poder. O poder de salvar vidas. Realmente um deus.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Q.I. - Quoeficiente de Inteligência, uma bobagem


É isso mesmo, cheguei a conclusão que, para o que eu acredito hoje, o quoeficiente de inteligência é uma bobagem.  Tenho um amigo que eu o classificava, através dos padrões do senso comum do QI, alguém com a inteligência acima da média. Se seu QI fosse medido com certeza estaria na curva dos acima, nem perto da média. Além de brilhante em sua especialidade (é físico) é uma pessoa interessante, consegue falar com segurança sobre quase todos os assuntos, sempre demonstra conhecimento, e gosta de reflexões sobre questões subjetivas e sobre nossa evolução como primatas. Junto nesse pacote de especialidades não é uma pessoa arrogante, quando defende seu ponto de vista não é agressivo e muitas vezes engraçado. Dou muita risada até hoje quando lembro de nossa conversa sobre médiuns e suas psicografias. Ele em sua defesa colocou que Chico Xavier deveria ser preso e enfatizava: "prendam Chico Xavier, prendam Chico Xavier", foi muito engraçado. Até hoje rimos do assunto. Uma das temáticas que já travávamos era sobre inteligência. Eu defendia que existiam pessoas mais inteligentes que outras e ele sempre defendeu que esse conceito era irreal, que as diferenças não eram quantitativas. Eu ouvia tudo aquilo, e confesso, não entendia sua defesa. E esse tema, inteligência sempre fez parte da minha evolução. Na minha família sempre achei meu pai inteligentíssimo. É um homem de exatas e os números e o raciocínio lógico são para ele como o alfabeto é para mim, algo comum. Até hoje, ele com seus 76 anos de idade, faz as compras no supermercado e armazena em seu cérebro o preço de cada item que pegou, compara preços, vai calculando de cabeça e quando chega ao caixa diz quanto dará a conta. Nunca é exato o valor, mas muito próximo. Inclusive ele tem uma margem de erro que fica em torno de 1% de tão calculado que é a história. Dentro do meu universo familiar eu o colocava no topo da pirâmide, e logo abaixo meu irmão, também uma pessoa de exatas. Eu o achava muito inteligente, nunca precisou estudar para passar de ano, nunca pegou um exame na escola, só prestar atenção na aula bastava. Em terceiro eu colocava a minha irmã, também muito inteligente, lia muito, livros diferencidados e entrou muito bem colocada na USP. Logo depois minha mãe, ela fez USP, inclusive em uma época que poucas mulheres cursavam universidade. Por sinal todos que me cercam fizeram USP, pai, mãe, irmãos, marido e cunhados. E eu, segundo os critérios que eu mesma estabelecia, ficava lá, na lanterninha, não tinha essa habilidade exata e muito menos entrei na USP. Tenho uma tia que se sente como eu, batalhadora, esforçada mas que não se configura na lista dos Top ten. Bem. . . . os anos foram passando e minha visão sobre inteligência foi mudando. Primeiro eu revi o ranking da família e subi minha irmã uma colocação. Comecei a ver que tudo que ela focava fazia com facilidade, que ela tinha uma habilidade natural para o aprendizado, o que ela não tinha era foco, só que então muito  inteligente. Depois comecei a me rever. Será que por eu não ter habilidade com números e habitar o reino do subjetivo,  fluente em uma área em que não há medições cartezianas, isso me põe fora da lista dos inteligentes? Até então eu tinha esse conceito muito engessado e hoje penso muito diferente daquela época. O que mudou? Muita coisa, mas recentemente, através das minhas filhas consegui me ver livre do carteziano, da comparação. São gêmeas bivitelinas, estão na mesma escola, mas em salas diferentes. Essa escola tem um planejamente bem rigoroso e os professores têm que transmitir o mesmo conteúdo para seus alunos. As provas são iguais tal qual os conteúdos ensinados. Só que minhas filhas tem posturas de vida muito diferentes entre si. Uma é mais organizada e mais aplicada, demominarei de Feliz. A outra é meio desleixada e pouco organizada, será a Estrela. Nas provas trimestrais a escola enviou um roteiro de estudo. Seguimos esse roteiro as três juntas. Feliz separava as matérias, respondia os exercícios de forma organizada e com sequência lógica. Estrela respondia no meio de uma página, virava a folha, às vezes não queria anotar e por inúmeras vezes se destraia com alguma outra coisa. A apreensão dos conteúdos era similar o que difenciava eram as condutas. Estrela, meio que nem aí, Feliz empenhada. Qual não foi a minha surpresa quando chegaram os resultados quantitativos da escola. Seus desempenhos foram muito diferentes. Estrela teve um desempenho quantitativo excelente, suas notas, de cinco matérias quatro foram 10 e essa única que não, 9,5. Feliz quantitativamente muito bem, mas com notas que variaram de 8,5 a 10. E tão mais interessada . . . . . por que isso?. Nas outras avaliações que seguiram a mesma coisa. Estrela sempre com o desempenho máximo e Feliz variando. Comecei a refletir sobre isso, fiquei dias pensando. Finalmente eu compreendi, o que meu amigo tanto me falava. . . .  a princípio parecerá um conceito complexo, mas no dia a dia, no cotidiano vai fazendo tanto sentido. Somos indivíduos com características próprias, tanto biológicas quanto emocionais e por isso os processos de elaboração e devolução do aprendizado ao mundo são muito próprios, são únicos. Feliz e Estrela tem a capacidade de compreensão similar, porém elas devolvem ao mundo essa compreensão de maneira diferente. Muitas vezes coloco que Feliz parece um lençol freático, sabe-se que existe, mas não o vemos, só quando aparece em sua nascente. Ela é assim, mais introspectiva, seu mundo interno é mais complexo e é isso que ela mostra ao mundo. Para ela as coisas não são tão simples. Já Estrela é impulsiva, mais extrovertida, acumula menos "preocupações", suas emoções são explícitas. É isso o que ela mostra ao mundo. Para ela tudo é mais  simples, direto, sem rodeios. Por fim, não existe mais inteligente ou menos inteligente, nossos processos mentais e emocionais são diferentes e o produto dessa diferença é o que mostramos para o mundo. Esse produto pode ser algo que muda radicalmente a vida da humanidade como Darwin, Freud, Einstein. Ou talvez algo mais singelo que ajude uma pessoa a mudar sua maneira de ver, tanto as pessoas como a si mesmo. O produto de Feliz, Estrela e meu amigo me ajudaram a mudar e concluir que, para mim, testes de QI . . . .  . são uma bobagem. Talvez minha família é que não fique muito feliz. Eliminei o ranking, estamos todos nivelados, eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Furor Curandis


Há algum tempo eu ouvi de uma analista, de quem gosto muito que Freud já nos alertava sobre o furor curandis, a excessiva necessidade do analista curar seu paciente de seus sintomas sem dar ouvidos ao que ele quer. Muitas vezes esse é o desejo do analista, eliminar os sintomas, mas será que é também do paciente? Ontem, em um encontro psi falamos bastante sobre isso, não só no âmbito de nossos pacientes como também da relação cotidiana com as pessoas. Primeiro vou estabelecer o setting psicológico para a partir disso chegar ao cotidiano. Aos que não apreciam muito essa tragetória sugiro que pulem essa parte, e aos que não se incomodam ... vamos lá. Uma colega uma vez atendeu uma paciente com sintomas depressivos, traços obsessivos, com uma história de vida recheada de muito sofrimento, desde a mais tenra infância. O sofrimento de sua história transbordava na mesma medida dos sintomas que desenvolveu, principalmente os obsessivos. Ao mesmo tempo que relatava fatos de imenso sofrimento, pouco contato fazia com eles, se fixava muito no dia a dia, em como as coisas deveriam ser e o quanto ela não conseguia modificá-las para o que achava certo. Vivia muito sob a espada do certo e errado. Isso trazia sofrimento, sem dúvida, mas nem se comparava ao sofrimento que ela conteve durante tantos anos através dos mecanismos obsessivos. Os traços obsessivos a ajudaram a desenvolver-se e construir algo ao seu redor. Isso não quer dizer que as pessoas à sua volta não foram afetadas por seus sintomas, é claro que sim. Mas também foram construídos solos férteis, com áreas inférteis, e lugar para crescimento onde outras coisas puderam surgir. O que minha colega fez não foi escancarar para a paciente que seus sintomas depressivos e seus traços obsessessivos eram doença e por isso precisavam ser curados. Ela a ouviu, tentou entender o ela queria, muitas vezes nem o paciente tem essa clareza, e a ajudou, andou junto na trajetória, no caminho que a paciente estabeleceu. Nesse caso, a paciente queria sofrer menos no dia a dia. Seus traços obsessivos se mantiveram, menos intensos, seus surtos de fúria findaram. Hoje ela sofre menos até porque seus sintomas perderam intensidade, mas, de outra forma se mantém já que foram desenvolvidos, por ela, para lidar com vida. Sua história sofrida continua lá, não quer mexer, dói demais. Ela hoje está bem, à sua maneira. De acordo com o senso comum, não, mas de acordo com ela, sim. É uma história muito bonita, a natureza humana foi preservada.
Farei agora o transporte dessa experiência analítica para o cotidiano e nossas relações pessoais. Trabalhamos em empresas, vivemos em sociedade, o coletivo faz parte de nossa natureza (deveríamos saber lidar com ele) mas o tempo todo buscamos transformar o que está a nossa volta de acordo com o nosso desejo. É difícil aceitar a natureza daquilo que é. Um clássico exemplo é o ambiente corporativo. Uma empresa tem uma filosofia própria, um jeito próprio para lidar com seus processos fabris, comerciais, administrativos e com os que nela trabalham. Só que o que mais acontece dentro desses ambientes é as pessoas tentando mudar o modo de funcionamento da empresa para como acha que é melhor. Tentam mudar os colegas de trabalho na busca ilusão que o ambiente adapte-se ao seu jeito, e não o contrário, adpatar-se ao ambiente. É um esforço inútil, e tal como o analista que teima que o paciente tem que fazer o que ele acha, o indivíduo também tenta isso no seu dia a dia. O ser humano tem em sua natureza primária uma pré-potência intensa, um egoscentrismo primário, afinal, nascemos tão desampardos, se o outro não cuidar de nós morremos. Entrar em contato com isso é muito assustador. Porém à medida que nos desenvolvemos, que vamos tendo mais autonomia, essa pré-potência diminui para dar espaço para  a natureza do coletivo. Fazia parte da sobrevivência não estacionar no modelo egocêntrico, precisávamos nos tornar seres coletivos, o bando precisava e nós e nós do bando. Só assim continuaríamos sendo parte de um bando e sobreviveríamos. Só que a sociedade de hoje não nos proporciona, não nos solicita mais (ilusoriamente) que nos tornemos seres coletivos e com isso corremos o risco de estacionarmos no modelo pré-potente e egocêntrico de nossa natureza. Hoje as famílias não reforçam mais a necessidade do quid pro quo, quando os filhos já desenvolveram certa autonomia. Não estabelecem esse limite: fiz e continuarei a fazer a minha parte, agora chegou a hora de você começar a fazer a sua. Não é abandonar, nem deixar de se preocupar, é muito mais que isso, é deixar crescer e desenvolver-se de acordo com a sua natureza. Como é gostoso aquele bebezinho, aquele serzinho que depende nós. Nos sentimos tão potentes, tão importantes e assim nos distanciamos de como somos impotentes e talvez menos importantes do que nosso egocentrismo gostaria. Tal qual o analista que só se vê bom quando retira o sintoma do paciente, o  indívduo só se sente potente quando muda o ambiente. Será que nossa potência tem sempre que estar ancorada em grandes feitos? Será que nossa potência não é, todos os dias, nos relacionarmos com o outro conciliando como somos e como o outro é? Vale pensar.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Curtas: curiosidades do frio

Sempre gostei muito do outono, do inverno, do frio. Não por passar frio, mas porque via poesia nessas estações. O outono chegando, o céu escurecendo, as folhas caindo, davam sensação de troca, de tempo para aquietar, para que quando as estações mais brilhantes chegassem emergisse o que ficou hibernando. O inverno, para mim, sempre despertou fantasias de introspecção, o chocolate quente em baixo dos edredons. . . . .e mais um monte de significados subjetivos. Hoje, minha visão do frio está bem diferente, bem mais objetiva, e mudou já há alguns anos. Desde que tive minhas filhas o frio passou a ser ameaçador e também  trabalhoso para lidar com ele no dia a dia. Ameaçador porque minhas pequenininhas, como todos os bebezinhos, não falavam e muito menos sabiam reconhecer e nomear as sensação que sentiam. Sabiam resmungar e chorar para avisar que algo não ia bem. Nos dias frios, principalmente durante a noite quando a temperatura caía, me preocupava se elas estavam suficientemente agasalhadas e protegidas. Detalhe: como todos os bebezinhos e crianças pequenas, durante a noite elas se descobriam. Instintivamente passei a acordar de duas a três vezes durante a noite para ver se estavam cobertas, e raramente estavam. Meu sono era totalmente recortado. Elas iam para o berçário e ficavam  o dia todo, portanto, a mochila era tipo mala de viagem para uma semana. Hoje maiorzinhas, já se cobrem e sabem diferenciar as sensações, sabem me dizer se estão com frio ou calor. Agora já durmo a noite toda,  mas como é recente essa nova fase, ainda na minha memória está muito presente aquele levantar constante. Passei a não apreciar a vinda das estações frias por causa da preocupação em relação à saúde das minhas filhas. Por isso toda aquela poesia e encanto que eu via no frio foi por água abaixo. Ou seja, o meu instinto deu um "bico" nas minhas fantasias de instrospecção e colocou no lugar a sobrevivência, o afetivo de mãe. Interessante esse processo, como nos modificamos. Como mesmas coisas  podem ter significados tão diferentes ao longo de nossa vida. É óbvio? Sim. Mas acho que pouco paramos para refletir sobre esses significados, no que mudaram e seus porques. Confesso sentir certo saudosismo da minha visão romântica do inverno, mas o sentido agora é outro, nesse momento, não cabe mais. Talvez por isso me pergunte tanto: por que os esquimós se fixaram no pólo norte?

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Medicina sexista?


Hoje pela manhã li duas matérias no mesmo jornal, no caderno de saúde,  que . . . . . nem sei nomear muito bem como me sinto, de tão atônita que fico. Uma das matérias incentiva a mulher a tomar hormônios para não menstruar mais, pois de acordo com uma corrente médica, menstruar com tanta frequência sobrecarrega o organismo da mulher, já que em nossa concepção pré-histórica a mulher teria um filho por ano e não menstruaria na mesma frequência que a mulher moderna. Defendem a tese que menstruar sempre não é  tão natural assim. Desce difícil, mas tem sua lógica.  A outra matéria relata que médicos estão recomendando que meninas tomem hormônios para atrasar a chegada de sua menstruação. O motivo disso é para que continuem crescendo, fiquem mais altas, por isso recomendam retardar a chegada da menarca que nos dias de hoje tem sido mais precoce (por volta dos 11/12 anos). É óbvio que a indústria farmacêutica está por trás disso, mas também quero abordar o silêncio, o pacto que uma parte da medicina fez com as indústrias. Em muitas áreas, a medicina de hoje não busca compreender o sintoma, apenas solucioná-lo. A solução é que faz parte da comissão de frente, retorno rápido, compreender é domorado e os resultados são menos imediatos e visíveis. A medicina está muito avancada, vários de seus progressos tem ajudado muita gente, mas não dá para negar que também existe o outro extremo do qual estou falando.  Então, na linha da medicina da solução não menstruar é bom. Não deixar o organismo ter seu ciclo natural é ótimo porque a mulher não terá mais os tais incômodos todos os meses e as estatísticas de absenteísmo nas empresas irão mudar. Não podemos esquecer da TPM, como maridos, subordinados e chefes vão agradecer à medicina da solução porque não terão que lidar com variações de humores. O viver sem menstruar será o SOMA da mulher moderna (a pílula da felicidade do livro "Admirável Mundo Novo"). É lógico que muitas mulheres sofrem em seus períodos menstruais, essas sim vão se beneficiar verdadeiramente. O que questiono é: e a mulher e seu feminino?  Afinal, as mulheres em idade fértil, menstruam todos os meses porque seu corpo se prepara para abrigar um óvulo fecundado, e caso isso não aconteça, o corpo da mulher faz uma limpeza no útero para que no próximo mês possa, talvez,  abrigar um serzinho que irá se desenvolver. Muitas devem estar pesando: para que tanta poesia . . . . . . menos incômodo é melhor. Será que realmente mudar tanto assim nossa essência animal não traz nenhum prejuízo biológico e psíquico? E as nossas meninas, quando estão desabrochando, seu organismo é agredido com uma substância que faz com que pare seu processo natural para que esteticamente ganhe mais alguns centímetros. Por que será que a menina tem que ser valorizada por sua altura? Como podem médicos defenderem tal conduta? Inclusive todas essas "inovações" que mexem e invadem o organismo são EXCLUSIVAS para mulheres. Será que a indústria está interessada no bem estar da mulher ou em faturar continuamente. Afinal uma mulher tem seu ciclo fértil por pelo menos uns 30 anos. Façam as contas: durante esse período, se ela tiver dois filhos, por quantos anos usará o tal hormônio milagroso, talvez uns 25 anos? Paraíso financeiro é o resultado.  O quanto esses poderosos (as indústrias) não estão manipulando as mulheres dizendo que elas tem direito de decidir o querem fazer sobre seu corpo? Será que são as mulheres que estão decidindo ou são os outros que induzem a mulher a acreditar nisso? Onde estão os médicos para contrariarem ou pelo menos debaterem essas questões? Por que a medicina não desenvolve um hormônio para o homem parar de produzir espermatozóides e só se tornar fértil quando quiser procriar? Por que a medicina não desenvolve hormônios para que nasçam menos pelos nos homens, para que fiquem  esteticamente mais atraentes, menos peludos. O homem das cavernas não fazia a barba sempre. Por que essas invasões são só para os organismos femininos. E, além dos soutiens infantis agora as meninas tem o aval da medicina para interromper um ciclo natural para ficarem mais altas.  E onde fica o feminino . . . .  só na estética? E a medicina . . . . .assinando em baixo?

domingo, 5 de junho de 2011

Curtas: Woody Allen

Recentemente li uma notícia sobre o próximo filme do Woody Allen, "Meia noite em Paris". O que me chamou bastante atenção foi a declaração do cineasta que transcreverei na íntegra, porque espelha muito de sua personalidade e mostra, no caso dele, o processo criativo que normalmente os geniais tentam colocar sob uma "aura" de obscuridade. Woody Allen disse: "Eu não sabia o que ia escrever. Sabia que ia fazer um filme em Paris. Pensei em um título que adorei - 'Meia-noite em Paris', que sugeria muito romance -, mas não sabia o que iria acontecer à meia-noite em Paris. Passaram meses e eu não pensava em nada [da história]. E então me ocorreu que, um dia, alguém estaria andando nas ruas, um carro aparece, alguém de dentro grita 'entre' e o leva para um lugar diferente. Tive sorte que desta vez pensei em algo. Mas poderia não ter pensando em nada - e ter de mudar o título para outra coisa." Woody Allen é assim, em seus filmes ele retrata o cotidiano, o simples, que não são tão simples e que fazem parte. No cotidiano não há  relações sem conflitos e confusões, existem zilhões de perguntas sem respostas, e muitas dúvidas sobre o desenrolar dos acontecimentos e de nossas escolhas. Sua declaração mostra isso, escolheu um título e nem sabia como seria o conteúdo. O início de um processo criativo não nessariamente é algo com raízes obscuras, em que o autor mergulhou em pesquisas ou em si mesmo e a partir de então a "grande obra" surgiu. Para Woody Allen o processo criativo também é algo corriqueiro e espontâneo. Gostou de um título....... um dia algo surgiu que cabia, que bom. Simples. Seus filmes são assim. Falam das pessoas, suas dúvidas, suas dificuldades, de maneira tragicômica (a vida é assim) e bem realista (no sentido de espelhar o processo que ocorre na realidade). Seus filmes espelham uma realidade das relações mais desnudada, rotineira, e não é por isso que são monótonos. Pelo contrário, trazem alívio, nos vemos como "normais", porque consciente ou inconscientemente nos identificamos com seus personagens confusos. Ele tem essa capacidade, seus personagens são sempre cheios de conflitos, têm dificuldades de tomar decisões, aprisionados em situações que não querem mais e não que conseguem se desvenciliar. Woody Allen tem a genialidade cotidiana. Nos deixa confortáveis em nos sentirmos como seus persongens, deixa de lado o conceito moral de certo e errado e mostra a aparente simplicidade e complexidade dos conflitos humanos. Dia desses vi já começado um filme seu no qual o personagem principal era um escritor que buscava seu espaço e que tinha muita dificuldade em colocar para o outro o seu desejo, sempre abria mão de si mesmo. Uma das situações era com seu analista, que já há dois anos frequentava e nunca tinha ouvido uma palavra dele enquanto deitado no divã divagava sobre sua vida. Já no fim do filme, esse escritor conseguiu finalmente tomar decisões por si próprio e mudar várias coisas em sua vida e pergunta ao analista: "o que você acha disso"?. O analita devolve a pergunta: "o que você acha disso?". Identifiquei-me na hora, tanto como analista como analisanda, acontece comigo frequentemente tanto de um lado como de outro. A cena foi tão isenta de enfeites, de brocados, é assim que acontece mesmo, é a vida como ela é. Woody Allen tem essa habilidade especial. Nos mostra o cotidiano, os nossos conflitos de maneira tão natural que por fim nos sentimos tão bem ao assistir seus filmes. Nos sentimos nós e isso faz muito bem.