Momentos de reflexão sobre o cotidiano do ser humano a partir do dia a dia que vivemos.
domingo, 25 de setembro de 2011
Arrumações 2
domingo, 18 de setembro de 2011
Curtas: Poroca - um encontro
Há uns 10 anos atrás, ainda na faculdade, estava aprendendo sobre psicodrama e a professora leu um trecho em que Jacoby Moreno, o pai do psicodrama, escreveu sobre o encontro de duas pessoas.
A partir dessa leitura eu escrevi um texto, e não sei porque resolvi colocá-lo hoje no meu cantinho de reflexões. Fala sobre algo que acontece o tempo todo em nossas vidas, sobre o encontro com o outro. Aqui vai um pensamento de 10 anos atrás: "Quando leio ou escuto a palavra encontro, nunca deixo de lembrar o dia em que aprendi sobre a pororoca, que é o encontro das águas do Rio Amazonas com o mar. Ao ler a poesia, imediamente a palavra pororoca veio-me à mente e enxerguei o encontro proposto por Moreno como um encontro da pororoca, só que ao invés de águas, um turbilhão de emoções. Quando encontra-se com o outro, ou seja, que ocorre uma interrelação e papéis são vividos, emoções são sentidas e trocadas. Quando há a proposta de vivenciar a experiência do outro através da representação da troca dos olhos, há um benefício mútuo. Passo a ver-me sob outro ângulo e a pessoa também passa a ver-se sob outra ótica. Processo muito construtivo para uma auto-avaliação e conscientização de suas atitudes e maneira sde lidar com os papéis e as relações pessoais. Maneira de entrar em contato com os próprios sentimentos e conflitos. Volto novamente à pororoca. Ela é um fenômeno da natureza que não é presente, nem passado, nem futuro. A vivência dos papéis, o olhar a si mesmo e ao outro é uma experiência atemporal e que flui trazendo uma série de renovações internas. Assim como a pororoca está sempre ocorrendo com águas renovadas e trocadas. Ninguém consegue aprisionar ou controlar esse fenômeno. O encontro deve ser espontâneo e criativo assim como a natureza o é." Hoje após 10 anos eu escreveria diferente, mas não mudaria muito. A importância e intensidade do encontro com o outro é única com aquele outro. Saber encontrar-se, consigo e com o outro, não tem preço.
Depressão
É muito sofrimento e um sofrimento solitário e de difícil compreensão, tanto para o próprio que sofre como para os que estão a sua volta. Tive uma paciente, com um quadro depressivo moderado, que me descrevia pensamentos e sensações muito angustiantes, mas que não compartilhava com ninguém já que os achava tão estranhos que tinha receio de ouvir-se ou mesmo de ver o semblante confuso para quem contasse. É um isolamento característico no deprimido, ele sente e pensa "coisas" que parecem impossíveis de serem ditas e por isso sofre calado e perdido. Minha paciente em determinado momento de sua vida tomou uma decisão que viria a mudar muitos aspectos de sua vida. Na época ela sabia que era uma decisão muito importante, planejou, traçou metas e acreditou que tudo ocorreria próximo ao que imaginou. Mas não foi bem assim, muito diferente e sua vida foi modificada de uma maneira que não estava preparada, com perdas significativas. Foi sentindo-se triste, desamparada e sufocada por si mesma. Tinha insônias frequentes e nessas horas insones uma angústia de aniquilação tomava conta dela. Relatava-me que se sentia como no filme "Efeito borboleta", o qual nunca tinha assistido. Via as chamadas do filme e entendia que era sobre uma pessoa que voltou ao seu passado para mudar algo, para ficar melhor, mas que ao fazer isso os efeitos foram devastadores. O personagem do filme insistia em tentar consertar isso, voltando novamente ao passado para modificar esse algo, mas as consequências continuavam devastadoras, sempre piorando o que já estava ruim. Era como ela se sentia. Ao tomar aquela decisão que abrangia aspectos muito importante da sua vida, começou a acreditar que tomou uma decisão equivocada (como o personagem que voltou ao passado) e a partir disso qualquer ação ou atitude que tomasse só iria se desdobrar em algo pior do que estava vivendo. Essa sensação era tão autêntica, não era um pessimismo, era uma certeza. Vivia aterrorizada por si mesma, com medo, paralisou e sofria muito por isso. Queria sentir-se melhor, fazer alguma coisa, mas tinha medo de fazer porque qualquer coisa que fizesse tinha certeza que redundaria em algo pior. Para ela isso era uma certeza. Hoje ela está bem melhor, conseguiu tomar várias decisões que mudaram, mais uma vez, o rumo de sua vida. Ela lembra, de vez em quando, do efeito borboleta, essa sensação não a paralisa mais, mas era tão real que, até hoje, quando fala sobre isso, chora. Sentiu-se perto da aniquilação e foi muito assustador. A depressão é assim, a pessoa sofre muito, no começo, e quando o quadro se intensifica, piora, a pessoa pára de sofrer, seu "espírito" se exaure e pára de viver. É a doença do vivente humano.
domingo, 11 de setembro de 2011
Curtas: Filme francês
Há mais de vinte anos tive um namorado que descrevia filme francês da seguinte forma: primeiro close na mulher dentro do quarto sentada na beirada da cama, olhando para o nada.... muda a câmera que através da janela desse quarto filma crianças brincando com uma bola vermelha, close na bola . . . . depois a câmera muda para a rua e filma um carro estacionado, e por aí ele ia. Na época eu achava engraçado, mas passados tantos anos comecei a entender mais esse sentido das várias cenas, introspectivas, aparentemente não conectadas e com vários significados. Confesso que ultimamente tenho refletido muito sobre esse elã francês e suas tradições. Recentemente vi o filme do Woddy Allen - Meia-Noite em Paris em que o personagem principal vive situações da Paris dos anos 30. Muito glamour, muitos pintores, poetas, escritores e sempre uma aura que a produção que modifica, a arte que transforma a sociedade sempre veio de lá. Por que lá tornou-se a referência onde a arte, a liberdade poderia brotar e crescer? O que havia de tão especial na formação de sua sociedade e suas ideais? Lá quase toda forma de ser na arte, no pensar, no esculpir era acolhida. Todos sentiam terem lugar, ou pelo menos possibilidade de ser o que imaginavam que poderiam ser. E ser com sentido, ser para si. O ser de lá era para dentro e ao mesmo tempo para fora, mas com uma linguagem universal imaginária. As artes, literatura, poesia falam com as pessoas não só através do intelecto, mas através do ser. Talvez até por isso os filmes franceses tivessem tão poucas falas ou mesmo falas entrecortadas de cenas e emoções que aparentemente não tem uma linearidade cognitiva. Contraponto total com a cultura american, NY. Em NY também tudo pode, tudo é acolhido, só que no estereótipo, no para fora. Os filmes americanos são recheados de falas, ações e conclusões que se esvaziam assim que o filme acaba (existem exceções). É o agora e para fora. Não existe acolhimento e sim espaço aparecer e talvez por isso seja uma cidade tão barulhenta, agitada, piscante e com tanta informação. Se tirar isso o que sobra? Paris tem construções antigas, tradição, tem uma história que está o tempo todo presente e não tem como tirar isso de lá. Faz parte desde sempre e assim sempre será. Ultimamente tenho lido algumas coisas de um psicanalista francês, Fedida, que é tão profundo em suas metáforas e compreensões do humano. Usa linguagem e imagens arcaicas, falam tão fundo que tenho sentido ímpeto de ler a obra dele no original. Conheço uma psicanista que compartilhou certa situação muito interessante em relação à obra desse autor. Contou que ao fazer seu mestrado havia uma obra desse pensador que não foi traduzida. Não lia francês e para superar esse obstáculo contratou uma professora de francês para ler e ela foi acompanhando no livro. Diz que aos poucos o texto começou a fazer tanto sentido que naturalmente estava conseguindo ler trechos em francês. Além disso a riqueza de sentido da obra era tamanha que a professora sentiu-se tocada e aos poucos foi verbalizando "coisas" próprias por sentir-se mobilizada pela leitura. E é assim quando leio o que ele escreve. Sinto vontade de ler o original porque é tão mobilizadora sua escrita, a maneira como escreve, seus pensamentos, suas imagens do humano que tenho sentido vontade de aprender francês. Quando algo "fala" e nosso eu se agita, é porque houve um sentido além da compreensão cognitiva. E a França fez e faz isso, mobiliza coletivamente o eu de muita gente. Inclusive na psicanálise diz-se que o sujeito só passou a ser sujeito desejante (antes não havia sujeito desejante pois seu desejo já era pré-determinado por nascimento) quando houve a Revolução Francesa. O pai caiu e consequentemente a determinação do que pode ser desejado ou não. O sujeito pôde passar a ser desejante desde então e foi lá, na França. Não quero em nenhum momento afirmar que só na França nascem os que criam, os que falam ao coletivo interno de cada um, longe disso, Freud era Vienense, Darwin Inglês, mas não se pode negar que vários que nasceram em outros lugares foram para a França porque sentiam que lá havia eco, havia espaço para a expansão de seu eu. Tenho valorizado muito mais os filmes europeus por sua ausência de falas e por encenarem o que é mais próprio e humano. Dúvidas, conflitos, indecisões, loucura . . . . a vida como ela é, com todos os seus sentidos e seus não sentidos.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
A morte
Quando fazia a graduação, na cadeira de filosofia, a professora pediu para que lêssemos "O que é a morte" da coleção primeiros passos. Faz tempo, mas certo conteúdo me marcou. Fez-me lembrar um filme do qual gostei muito - Fanny e Alexander do diretor sueco Ingmar Bergman, cenas intensas, conflitos velados e a morte como determinante, como presença e experiência. Nesse "livrinho" o filósofo conta que houve períodos na história que a morte era integrada nos rituais de vida. Quando alguém da família ficava gravemente doente, quando se percebia que a morte logo chegaria, ou mesmo se repentina, havia um ritual. Os familiares próximos, principalmente as mulheres, cuidavam dos doentes e as crianças não eram afastadas do convívio. Após a morte o corpo era velado por dias na casa em que morava e as crianças continuavam fazendo parte do ritual. Não lhes era tirada essa experiência em nome de certa saúde emocional. Então, desde a mais tenra idade a morte era parte da vida . . . . uma morte anunciada não era um trauma, algo marcante, era algo triste que seria vivido por todos. Lógico que se essa morte, para a criança, fosse de seu pai ou mãe haveria muito sofrimento, a falta de um deles, certamente uma morte traumática em função daquela falta, mas não porque a criança presenciou o natural. Bem . . . . . em algum momento da história resolveu-se colocar a morte como algo secundário. Surgiram os hospitais e as pessoas passaram a não morrer mais em casa, junto aos familiares, uma morte com mais "conforto". As crianças passaram a não viver mais as angústias da morte, da enfermidade, lhes foi entregue com louvor o mito do felizes para sempre. E elas, crianças, com muita pulsão de vida e sendo conduzidas por adultos apropriaram-se desse mito. E os adultos não querendo mais lidar mais com suas angústias expulsaram a morte do cotidiano. Ela é tão assustadora que deu-se um jeito. Muitos humanistas e filósofos falam sobre a morte, sobre essa angústia de aniquilação que o ser humano combate diariamente, desde que nascemos temos instintivamente medo da morte, e até por isso nos temos nos mantido vivos por tanto tempo. Simplificando, reduzindo: a morte também produz vida. É um constante não querer encontrar-se com ela, não querer findar-se e . . . . . multiplicar. Ter filhos é também necessidade de sobrevivência, de minha genética espalhar-se, não findar-me através dessa herança em meus filhos. A morte tem significados muito importantes em nossa vida em nossa constituição com ser, e por que será que tem sido tratada com tão pouca significância pela sociedade atual? Percebo crescer certa falta de respeito em relação a morte como se fôssemos potentes o suficiente para enganá-la. Não somos, mas nos vemos potentes. Há também outro tipo de morte, a "morte d'almas". Quando a vejo sinto-me sufocada e totalmente impotente. Quando há a morte do corpo existe certa conformidade que aquela vida se foi e nunca mais estará entre nós, mas quando há só "morte d'alma", vemos aquela pessoa na nossa frente, um corpo que se move, um corpo que fala, um corpo que se alimenta e nada mais. É um corpo que vaga com olhar e apetite vazios. Tudo transpassa aquele corpo, nada fica e nada emite. A imagem de um zumbi. Ouço todos os dias histórias de vida muito tristes, compadeço com o sofrimento alheio, mas quando percebo que lá naquele Ser pouco som é emitido, que já existe um findar de sua existência psíquica, entristeço. Hoje acredito que está tudo errado em relação à morte. Fingimos que ela não existe, achamos que quando temos um diagnóstico complicado a medicina sempre terá uma solução. Não falamos sobre isso com ninguém, tanto sobre nosso medo de morrer como também pelo medo que temos de nossos entes queridos morrerem. Tenho uma amiga com a qual vez por outra falamos sobre o medo da morte de nossos pais. São idosos, os quatro, e vira e mexe nos deparamos com situações em que a "dita", que tanto evitamos, mostra sua presença. No começo tocávamos no assunto um pouco constrangidas, mas hoje falamos abertamente . . . . . entre nós. Por que tem que ser um assunto tabu? Existe uma aura de superstição que, falando da morte estamos atraindo-a. Além disso há distorção cômoda na compreensão de discursos que envolvam o tema morte, um rótulo de pessimismo. Mas a morte existe, está aí, o que tem de pessimista em falar dela? Só falar dela é pessimismo, mas abordar o assunto quando pertinente . . . . um tabu? Não dá para lidar com a vida sem lidar com a morte, em algum momento a vida vai exigir isso e aí, pegos de surpresa? Nossos filhos pegos de surpresa? Um dia li um artigo sobre resiliência e que o que mais aproveitei foi o seguinte: há uma tribo na África que, quando uma mãe com filhos pequenos / adolescentes morre ou entra em depressão, essa tribo elege alguma mulher da comunidade para assumir esse papel. Acreditam que a criança precisa dessa contenção e figura, desse acolhimento em ambos os casos. Simplesmente maravilhoso. Essa tribo fala da morte, e por falar em morte ela cuida daqueles que foram diretamente atingidos por essa morte, o sofrimento é amparado. A mãe em depressão é muito parecida com uma mãe que morre, o deprimido se retira da vida, não consegue mais habitar emocionalmente seu lugar. Fedida, psicanalista francês, coloca que não é porque a pessoa está deprimida que vai para o quarto, o deprimido primeiro se retira da vida e aí sim vai para o quarto. Outra magnífica colocação dele: "Se existe uma doença do vivente humano ela seria por definição a depressão". Doença do vivente humano. Essa tribo fala de morte, física e emocional e, por essas mortes terem lugar em sua cultura, em seu ritual, seu efeito não é tão devastador. A morte tem um lugar de respeito, de pertencimento nessa tribo, e esse lugar produz vida. Os "em sofrimento" tem lugar . . . . . um lugar de acolhimento.
domingo, 4 de setembro de 2011
Curtas: Nossa história nunca é só nossa história
Somos todos muito egocêntricos, acredito ser de nossa natureza. Para sobrevivermos quando muito pequeninos precisamos acreditar que só existimos nós para cuidarem. Sem os outros nossa sobrevivência é ameaçada e muito provavelmente sentimos o quão frágeis somos. E um dos sintomas de nosso egocentrismo é acreditar que nossa história, o jeito que somos, o que pensamos, são frutos só de nós e das experiências que vivemos. Ledo engano. Somos a mistura, a composição das histórias de nossas avós, bisavós, de nosso país e de nossa cultura. Nos desenvolvemos dentro dessa sopa de histórias e não dá para separar as partes, o que é única e exclusivamente meu e o que faz parte do outro. Tive uma paciente septuagenária, um encanto, com tanta vida que me espantei dela nessa idade fazer análise. Não me esqueço do dia em que me contou que sua bisavó tinha sido índia e foi pega a laço para satisfazer os desejos sexuais de seu senhor. Havia tanta indignação e sofrimento em seu comentário e para ela, seus sofrimentos, suas dificuldades não eram valorosos o suficiente em relação ao sofrimento que imaginava sua bisavó ter enfrentado. Foi uma violência e essa marca violenta está impressa nela até hoje, após 3 gerações. Uma marca de ruptura, do controle, do sequestro e da submissão. Tem um psicanalista francês - Fedida, que refletiu da seguinte forma: "É preciso toda uma vida para descobrir a análise desde que as vidas desta vida e seus mortos que não morrem sejam o material em movimento de uma tectônica da teoria." Os mortos que não morrem, muito real e muito vivo, nossa história é repleta de mortos que não morrem. Só que a tendência de hoje é não olharmos para essa nossa antiga história viva, só olharmos para frente, como se as respostas estivessem fora de nós, além de nós. As pessoas tornam-se tão vazias e seu egocentrismo fica cada vez mais exacerbado. Parece até um movimento de sobrevivência, já que não me sustento naquilo que me formou, minha herança histórica, ajo de maneira a acreditar que tudo tem que ser feito para mim. Volto a ser bebê, sem apreender quem sou, o que sou e só querendo que me preencham. Temos muito a aprender sobre nós com nossos mortos vivos, mas enquanto não os encararmos serão somente assombrações e não parte de nosso eu. Tentar construir-se, ter a equalização entre o que construímos como próprio e o que carregamos há gerações, além de não ser fácil, é uma ferida narcísica. Não sou puro, não sou único, já foram antes de mim e serão após, mas enquanto sou eu, como posso ser o que me impulsiono, ser com e através de toda a história que me constituiu. Nossa história nunca é só nossa e quando a renegarmos estamos colocando à margem nossa essência.
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